O embaixador José Cutileiro morreu este domingo em Bruxelas, onde vivia, disse à Lusa a sua mulher. O diplomata, de 85 anos, encontrava-se hospitalizado, acrescentou a mesma fonte.
Cronista e escritor, José Cutileiro foi um dos negociadores da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) e integrou a equipa de coordenação da Conferência de Paz para a Jugoslávia, em 1992, entre outros cargos ao longo da sua carreira. Foi cronista no Expresso onde, ao longo de vários anos, assinou uma rubrica de obituário.
José Cutileiro nasceu em Évora, em 1934, e estudou Arquitetura e Medicina em Lisboa, tendo-se diplomado em Antropologia Social. Doutorou-se na Universidade de Oxford, em Inglaterra, em 1968, e publicou dois livros de versos, a monografia antropológica 'Ricos e Pobres no Alentejo', um ensaio sobre a crise nas balcãs e artigos sobre relações internacionais.
Em 1974, a convite de Mário Soares, juntou-se ao serviço diplomático, exercendo as funções de embaixador em Maputo e Pretória. Entre 2005 e 2014 foi Conselheiro Especial do então presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Passou a vida a saltar de um lado para o outro, mas manteve sempre uma forte ligação ao país-natal, que analisa com os olhos desapaixonados da distância.
O irmão do escultor João Cutileiro mudou-se aos 3 anos com os pais para Lisboa, deixando para trás uma família dividida entre o republicanismo paterno e o catolicismo do avó materno, admirador de Salazar. Aos 17 anos, viajou om a família para Cabul e, no regresso, hesitou entre a Arquitetura, a Medicina e as tertúlias com José Cardoso Pires, Luís Stau Monteiro e Augusto Abelaira, no Almanaque, antes de se render à Antropologia, “que o ajudou a pensar”, em Oxford.
Em entrevista ao Observador, no final de 2017, contou que a sua vida mudaria de rumo com o 25 de Abril e com o “amigo” Mário Soares, que lhe abriu as portas da diplomacia. Na África do Sul conheceu Nelson Mandela, recém-libertado da prisão, e Desmond Tutu. Filiou-se no PS a pedido de Mário Soares, mas depressa se desfiliou, após concluir que a política nunca seria o seu destino. Nunca mais se ligou a partidos.
Filiou-se e desfiliou-se do PS por ser avesso à militância
A razão do abandono da militância justificou-a por o PS estar “demasiado preso a noções marxistas”. e por se sentir próximo de algumas pessoas do PSD ou do CDS. Sempre encarou a diplomacia como uma forma de serviço público e o diplomata como um intermediário com uma posição conhecida, uma pessoa “with a declared interest”, referindo que a versão inglesa era a que melhor definia a função. Foi das funções que mais o marcaram e mais gostou, que deixou quando em 1994 foi escolhido para ser secretário-geral da UEO (União da Europa Ocidental). Sempre que mudava o Governo, ponha o lugar à disposição.
“Os diplomatas servem para impedir que haja guerras, no fundo é isto”, resumia. A escrita era outra das suas paixões, mesmo confessando que não era o Rainer Maria Rilke, “que dizia que se perceberes que se não escreveres morres, escreve; senão não vale a pena”. Os obituários para o Expresso surgiram por se ter habituado às colunas de óbitos em Inglaterra e achar que eram um registo importante.
Há duas décadas, estreou-se a escrever para o Expresso numa coluna de relações internacionais, titulada de 'O Mundo dos Outros', seguindo-se os obituários, sobretudo de personalidades estrangeiras, sobretudo pelas quais tinha admiração, quando regressou dos EUA. Das que não gostava, dizia que não sabia “tão bem”. Mas num e noutro caso garantia que escrevia a verdade. Escreveu o de Mário Soares e do de Maria de Jesus. E também o de Fidel Castro, um ditador que, comentava, “caiu no goto de alguns”, “não era um bom homem, mas houve piores”.
[Notícia em atualização]