O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, recorda, num texto enviado ao Expresso, o embaixador José Cutileiro, que morreu este domingo em Bruxelas.
Próximos desde a infância, Sampaio e Cutileiro cultivaram a amizade ao longo de várias décadas, tendo-se cruzado em momentos-chave da história recente. Dos tempos de criança ao assumir de cargos de relevo, Sampaio passa em revista alguns dos marcos da vida de ambos. Sem esquecer o apoio de Mário Soares para que José Cutileiro abraçasse a vida diplomática.
Leia abaixo o texto na íntegra:
"Tínhamos pouco mais ou menos a mesma idade e conhecíamo-nos de longuíssima data devido a laços familiares pois os nossos pais, ambos médicos, eram amigos e mantinham alguma proximidade. O José Cutileiro teve um percurso intelectual extremamente original, aliando uma formação científica e humanística que o definia de forma muito particular, com uma imensa cultura, grande independência de análise e juízo, um apurado sentido de humor e uma exigência de rigor que estava presente em tudo o que fazia ou dizia.
Por tudo isso, Mário Soares estimulou-o a abraçar a diplomacia, na certeza de que esta e Portugal sairiam enriquecidos com o contributo de Cutileiro, uma intuição que não poderia ter sido mais certeira, como, de resto, viria a demonstrar a sua longa e muito relevante carreira. José Cutileiro foi um brilhantíssimo servidor da causa pública, tendo revelado altas qualidades de negociador em momentos importantes para a afirmação externa do país como, por exemplo, quando durante a presidência portuguesa da União Europeia, em 1992, creio, participou na organização da Conferência para a Paz para a Jugoslávia ou quando, mais tarde, liderou a União para a Europa Ocidental.
Pessoalmente devo ao José Cutileiro, então embaixador de Portugal junto do Conselho da Europa, nos finais da década de setenta, ter sido indicado para representar Portugal na Comissão Europeia Direitos Humanos daquela organização, cargo de que muito me orgulho e que exerci com especial gosto.
Apesar da proximidade que o tratamento por tu cria entre as pessoas – e era o nosso caso -, sempre tive pelo Zé Cutileiro um enorme respeito e admiração pela pessoa de excepção que sempre mostrou ser, de par com uma amizade certa e que a vida de cada um de nós manteve intacta. O seu desaparecimento deixa um vazio grande e a saudade antecipada das suas crónicas, das suas palavras, dos sinais da sua presença entre nós."