Se tivesse sido ele, e não Cavaco Silva, a dar posse ao Governo de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa não teria criado obstáculos à nomeação de Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino (cônjuges) ou de José António e Mariana Vieira da Silva (pai e filha).
"Não se pode ser rígido e há sempre exceções à regra", afirmou o Presidente da República ao Expresso. Com um recado para futuro: "Mas não me apareçam com mais nomes". Quer no Governo, quer noutras estruturas do Estado, Marcelo Rebelo de Sousa é muito claro. Cuidado com as próximas nomeações e, caso o PS ganhe as legislativas, cuidado com as escolhas para o próximo elenco governamental.
"Não é bom misturar família com política", eis a regra segundo o atual Presidente. Marcelo assume-se alérgico aos riscos do nepotismo na imagem dos sistemas partidários e no efeito de fechamento que inevitavelmente provoca no aparelho do Estado.
O facto de ser filho de um ex-governante de Salazar marcou-o de pequeno e Marcelo assume-o: "Pessoalmente fiquei marcado na infância e nestas questões eu levo o rigor a um ponto que às vezes peco por excesso", diz, referindo-se ao episódio que viveu em 1955, com apenas seis anos de idade, quando acompanhou o pai, Baltazar Rebelo de Sousa, acabado de tomar posse como subsecretário de Estado da Educação, a um evento oficial de hipismo em Cascais.
Na altura, o ainda miúdo foi convidado a saír pelo Presidente Craveiro Lopes, que disse a Baltazar: "Recorde uma coisa, filho de subsecretário de Estado não é secretário de Estado. O menino vai para outro sítio".
Foi com esta memória presente que Marcelo comentou, na terça-feira, a polémica das famílias socialistas com a frase: "Família de Presidente não é Presidente". E é neste contexto que a referência ouvida ontem a um dirigente do PS que lembrou que o Presidente da República também era filho de um governante, causou estranheza em Belém. Quando Marcelo chegou a ministro - no início dos anos 80 - o regime tinha mudado e o pai, Baltazar, estava no exílio. Ou seja, as situações não são comparáveis.
Quando invocou Cavaco Silva a propósito das nomeações de familiares no Governo de António Costa, Marcelo diz que o fez por entender que o seu antecessor é "insuspeito" e se aceitou aquelas quatro nomeações para o Executivo é porque "ponderou a qualidade das carreiras e o mérito para o exercício das funções". Lembra, a propósito, que o ex-Presidente dos EUA, John F. Kennedy, teve um irmão como ministro da Justiça pelas mesmas razões. Mas outra coisa é deixar que a exceção vire regra.
Pela sua parte, e como "pecador por excesso", Marcelo Rebelo de Sousa nunca levou sequer nenhum familiar ao palácio de Belém e quando o seu filho Nuno, vice-presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira, foi convidado para discursar numa cerimónia de homenagem ao Presidente português no Brasil, Marcelo recusou. E uma alteração protocolar de última hora mudou tudo na cerimónia.
O PR reconhece, no entanto, que "não se pode impôr isto de forma rígida". Quando o caudal da mistura família/política engrossa, aí sim, fica o recado: não convém abusar.