Para um nariz biológico, 15 minutos pode parecer muito, mas para um nariz eletrónico é apenas uma pequena espera para um potencial diagnóstico de doenças como o cancro da bexiga ou da doença de parkinson. “Não só conseguimos ter amostras que são recolhidas de forma não invasiva, como damos uma resposta de forma rápida”, responde Cecília Roque, diretora da Unidade de Ciências Biomoleculares Aplicadas (UCIBIO), apontando para esperas de cerca de “15 minutos”.
O novo nariz eletrónico foi desenvolvido com base em sensores que mudam de características quando estão em contacto com os compostos que se pretende estudar. Os narizes biológicos podem ter um alcance de metros, mas o nariz eletrónico da UCIBIO apenas consegue produzir resultados quando a amostra é colocada a poucos centímetros do sensor.
O nariz eletrónico tem vindo a ser desenvolvido com o propósito de complementar os atuais exames de diagnóstico. Além da rapidez, este nariz poderá ter a vantagem de ser portátil ou, pelo menos, transportável. Cecília Roque explica que a sua equipa tem vindo “a trabalhar com uma máquina que ocupa mais ou menos o espaço de um computador portátil”, mas também acredita que o projeto de investigação permitirá que o protótipo possa ser “ainda mais miniaturizado” nos próximos tempos.
O nariz tem vindo a ser testado com amostras de excreções humanas, que levam ao contacto de gases ou compostos voláteis com os sensores feitos de gelatina que se encontram dentro de pequenas câmaras que compõem o protótipo. Estabelecido o contacto com os compostos orgânicos das amostras, o sensor muda de cor e condutividade, no caso de ter detetado as moléculas para as quais foi criado.
No caso de não mudar de cor, fica apenas a confirmação de que não foi detetado qualquer dos compostos procurados durante o teste. “Temos trabalhado muito com a urina”, refere Cecília Roque. “A urina pode conter marcadores e composições distintas, de acordo com o facto da pessoa estar doente ou estar saudável”, acrescenta.
Os investigadores da UCIBIO apostaram na deteção do cancro da bexiga tendo por ponto de partida o facto de implicar diagnósticos invasivos, dolorosos e repetitivos. Em contrapartida, o desenvolvimento de um novo método de deteção da doença de parkinson teve por ponto de partida um curioso caso de uma senhora que “estava a conseguir identificar que havia uma alteração do padrão dos cheiros emanados pelo seu marido”.
O curioso caso permitiu confirmar que a senhora em causa não só poderia integrar o grupo minoritário dos “super cheiradores”, que têm um olfacto muito apurado, como deu a ideia para iniciar testes com amostras de sebo da pele para potenciais diagnósticos de parkinson. “O nosso entusiasmo vem pelo facto de não ser fácil o diagnóstico da doença de parkinson. É um diagnóstico clínico que muitas vezes demora bastante tempo”, refere Cecília Roque.
Foi para ilustrar a temática dos dispositivos eletrónicos que detetam diferentes compostos que Cecília Roque trouxe a capa da revista científica Trends in Biotechnology e ainda um som facilmente reconhecível como vindo do mar. A escolha do som serviu de mote para explicar um projeto de investigação relacionado com a camuflagem de polvos, lulas, e chocos, que tem por base estruturas proteicas. “Nós trabalhamos muito com proteínas”, sublinha Cecília Roque. “E daí veio esta nossa curiosidade de tentar estudar, de facto, estas proteínas que estão envolvidas neste processo de camuflagem”.
Por enquanto o estudo da camuflagem dos cefalópodes é meramente científico e não tem um objetivo prático definido. Em contrapartida, o desenvolvimento do nariz eletrónico, mesmo sem ter chegado à versão final, já começou a despertar atenções. “Tem havido interesse na parte alimentar. Estamos a trabalhar também com uma empresa que nos tem acompanhado até na pesquisa das melhores aplicações que nós podemos dar ao nosso nariz eletrónico”, conclui Cecília Roque.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.