O Futuro do Futuro

“Como é possível a gestante ficar com a criança e os pais biológicos não?”, alerta presidente do Conselho de Ética para as Ciências da Vida

A Lei da Morte Medicamente Assistida já foi promulgada, mas não escapa à análise crítica de Maria do Céu Patrão Neves, presidente do Conselho Nacional para as Ciências da Vida, que considera que o texto final é uma manta de retalhos. A regulação das gestação de substituição também merecedora de reparos. Quanto à mudança de género em crianças e jovens aconselha cautela

Maria do Céu Patrão Neves, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), lança o alerta para as alterações previstas para a gestação de substituição poderem abrir caminho à inscrição de três pais no cartão de cidadão, mas também não poupa nas críticas à Lei da Morte Medicamente Assistida. “É lamentável que a lei da morte medicamente assistida tenha tantas falhas e, sobretudo, contradições”, respondeu em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV, em entrevista para o podcast Futuro do Futuro
José Fernandes

Depois de diferentes versões e chumbos no Parlamento, no Tribunal Constitucional e na Presidência da República, a presidente do CNECV prefere não se alongar nas expectativas quanto à regulamentação que vai definir detalhes e requisitos práticos para as situações em que um doente solicite o suicídio assistido aos serviços hospitalares.

Mas sobre a Lei em si, que já está promulgada, Maria do Céu Patrão Neves não tem muitas dúvidas em considerar que é uma “manta de retalhos”. E para fundamentar a crítica dá como exemplo uma potencial prevalência no acesso aos cuidados paliativos dos doentes que optarem pelo suicídio assistido em detrimento daqueles que não querem enveredar por esse desfecho.

“Com tanto tempo, esperar-se-ia que a qualidade legislativa fosse melhor”, conclui.

Em relação a iniciativas relacionadas com o início da vida, a presidente do CNECV aponta reparos acutilantes para a alteração da Lei da Procriação Medicamente Assistida, que têm em vista criar novas regras para a gestação de substituição. E alerta para o risco de alguns cartões de cidadãos passarem a ter registados três progenitores: os pais biológicos que dão óvulo e espermatozoide, e a grávida que garante gestação do bebé, que passa a ter o direito a revogar um eventual acordo e a reclamar o direito à criança.

“Como é possível num processo legislativo tão conturbado, a mulher gestante ficar com a criança e os pais biológicos não poderem ficar com a criança?”.

O CNECV ainda não se pronunciou sobre as cirurgias de género, mas Maria do Céu Patrão Neves pede prudência quanto a este tema – e considera que a autorização para este tipo de cirurgias deve ser analisado “caso-a-caso”. “Uma intervenção com um impacto tão forte num jovem em formação deve ser decidida com muita cautela”, e deve ser maturada ao longo do tempo, porque há o risco de se tornar “contraproducente para o jovem”.

Quanto à produção de blastóides, que jornalistas e alguns cientistas apelidam de embriões sintéticos, Maria do Céu Patrão Neves lembra a regra do 14º dia, que proíbe a progressão de estruturas criadas por células pluripotentes (e não espermatozoides e óvulos) comece a desenvolver sistema nervoso. Apesar de considerar que é hora de regulamentar esta matéria, a especialista em ética confirma que não há nada na lei que impeça os cientistas portugueses de produzirem blastoides.

Imagem que mostra blastoides, formados com células humanas pluripotentes
Monash University

Foi precisamente para responder ao primeiro desafio do podcast Futuro do Futuro que Maria do Céu Patrão Neves escolheu uma imagem com vários blastoides.

No desafio do som, recorreu a uma gravação que recria aquele que poderá ter sido o som do Big Bang – a explosão inicial do universo.

Tiago Pereira Santos

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