Passaram seis anos desde a última vez que Ana Moura veio a este mesmo podcast.
Já em 2017 comentara que estava a perder o medo dos julgamentos. Que andava cansada de toda a gente ter uma opinião sobre si e o seu futuro. E que com Prince perdera os seus maiores medos. Daí ter dado finalmente o grito de independência com o seu último álbum “Casa Guilhermina”, e arriscado ser uma artista independente, deixando o seu manager, a editora e toda a equipa que trabalhava consigo, e criado uma pequena estrutura à sua volta, cumprindo o conselho de Prince, que incentivava este voo necessário para passar a ser dona e senhora do seu caminho artístico. Uma rainha como uma andorinha a voar as linhas da liberdade.
“Sinto que muitas das escolhas do passado que fiz, não as fiz porque queria realmente. Não posso culpar as pessoas que me rodeavam por isso, a verdade é que estava muito interiorizado dentro de mim que essas figuras eram detentoras de toda a verdade e sabedoria e que decidiam. As minhas ideias eram subestimadas. E estava constantemente a trair-me a mim própria".
E num mundo e numa indústria ainda comandada por homens, é especialmente bravo ver uma mulher, uma artista, a romper com uma estrutura, para se afirmar mulher do seu destino e da sua música e a mostrar que é possível dar certo fazendo de outra maneira. À sua maneira.
Como aliás, soube fazer de forma igualmente brava a cantora Sara Tavares, que também tinha um compromisso com a sua música e a sua verdade. Vai deixar saudades.
Foi durante a pandemia, e após a interrupção das gravações de um disco que não a representava, que Ana Moura se fechou em casa e junto com Pedro da Linha, Pedro Mafama, Conan Osíris, entre outros, criou um disco-casa, muito arejado e disruptivo que foi da sala, a vários quartos até ao jardim e seus jacarandás.
E, perante o ódio gratuito que lhe chegava às redes sociais, afirmou o seguinte:
“Às pessoas que dizem que uma fadista não pode tomar as decisões que eu tenho tomado: eu nasci fadista, portanto, sou parte do fado. Ter respeito pelo fado é ter respeito por mim, e ter respeito por mim é ser livre: ser uma mulher livre.”
Contra alguns ventos e marés, Ana foi distinguida em 2022 com o título de melhor álbum do ano dos prémios Play, com o seu “Casa Guilhermina”, além do prémio da crítica e o de melhor artista feminina.
Nessa ocasião subiu a palco muito grávida, trajada com um vestido de látex azul petróleo, que era o fato de super mãe e super heroína da sua história. Celebrando o poder de todas as mães que chegam a tanto e a tudo, com mil braços e um coração que se multiplica. O prémio foi dedicado a quatro pessoas já desaparecidas: à sua avó Guilhermina, ao seu irmão Bruno, à sua prima Cláudia e ao seu amigo Prince.
Nesta conversa em podcast Ana Moura recorda como se sentiu depois de ver o impacto que as suas palavras tiveram nas redes sociais e na imprensa:
“O discurso que fiz quando me foi atribuído o prémio Play saiu-me porque era uma raiva que tinha. A raiva também é necessária, não é? Mas senti-me muito envergonhada. Nunca pensei que ganhasse uma dimensão tão grande e que as pessoas partilhassem tanto nas redes. Lembro-me desta sensação de estar na cama e pensar ‘Ai, que horror.’ Parece que não temos direito. Mas, ao mesmo tempo, foi libertador dar voz a outras mulheres que se reviram nesse discurso. E isso obviamente deixa-me muito feliz.”
E agora? E agora “lá vai ela, lá vai ela pela rua, e enquanto espreitam pela janela, ela chega ao fim da rua”. Esta é parte da letra do novo single de Ana Moura, o primeiro depois de “Casa Guilhermina”, gravado em outubro, em Paris. Ana prossegue assim o seu caminho, orgulhosa de si, sem preconceitos e sem medo dos julgamentos, indiferente às cabecinhas julgadoras que espreitam, pequeninas… à janela.
Para onde segue a sua música e o seu coração independente? Qual é a maior fatura de se ser livre? Que estranha forma de vida é agora a sua? Foram muitos anos a sonhar com este seu novo capítulo? Em que é que a maternidade mais a mudou enquanto mulher e artista?
Estas e muitas outras questões são-lhe colocadas. Chega a trautear um semba de Bonga, que costumava cantar com a sua prima Cláudia, que inspirou o tema “Mázia”.
E, no final da primeira parte, Ana é surpreendida com um áudio e uma pergunta da cantora e amiga Selma Uamusse.
Na segunda parte desta conversa, Ana Moura responde a Selma Uamusse, fala da maternidade, da importância da família, das suas raízes africanas que ela leva para a sua música, e os olhares preconceituosos de algumas pessoas sobre os seus, e recorda e celebra Prince e Sara Tavares.
“Tivemos uma grande perda que foi a Sara Tavares, uma artista que quero homenagear para o resto da minha vida. Sempre foi uma enorme referência não só musicalmente, mas como pessoa, produtora, intérprete. E desenvolvemos uma amizade muito bonita. Das coisas mais bonitas que me aconteceu na vida. Fizemos um dueto que me deixou tão feliz. Foi muito marcante. Cresci a ouvir a Sara, uma visionária musicalmente, sabendo de onde vinha e para onde queria ir”
E é ainda surpreendida pelos testemunhos dos músicos Herlander e Rita Dias, que juntam outras questões para a conversa. E revela como a comunidade ‘queer’ a tem ajudado nesta nova fase pessoal e profissional.
“A comunidade 'queer' tem-me ensinado muito sobre autoestima, porque enfrenta desde sempre dificuldades na vida, e olhares pela janela, e conseguem ainda assim manifestar amor. É de uma enorme grandeza. Aprendo muito com estas pessoas, mesmo no seu empoderamento, de usarem os ornamentos como armas. A comunidade ‘trans’ em específico, usa a beleza como vingança”
Como habitual há também lugar para Ana revelar o que anda a ler e as músicas que a acompanham e inspiram. Isto e muito mais para ouvir com tempo e coração.
Nesta nova temporada o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Tiago Miranda. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
Voltamos para a semana com mais uma pessoa convidada. Até lá pratiquem a empatia e boas escutas!