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Pandora Papers

Pandora Papers. O criador da imagem de Putin e um negócio cinematográfico de mil milhões de dólares escondidos em offshores

Documentos revelam a participação secreta de Konstantin Ernst no acordo de privatização de 39 salas de cinema de Moscovo, financiado pelo Estado russo

Margot Gibbs, Kathryn Kranhold e Jelena Cosic, ICIJ

À medida que os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi de 2014 se aproximavam, Konstantin Ernst, o intelectual de cabelo farto que reina como principal criador da imagem de Vladmir Putin, enfrentou o desafio de uma vida: produzir cerimónias de abertura e encerramento espetaculares o suficiente para cativar o mundo e para impulsionar a reputação do cada vez mais atacado presidente da Rússia.

Produtor cinematográfico nomeado para um Oscar, Ernst, com então 53 anos, tinha sido chefe da principal rede de televisão da Rússia, o Channel One, há tanto tempo quanto Putin era presidente, e tinha desempenhado um papel fundamental na criação da imagem de Putin como o salvador do Estado Russo.

Mas uma maré de más notícias corroeu o apoio interno de Putin: os protestos pró-europeus em Kiev estavam prestes a derrubar o seu aliado na Ucrânia. Uma década de crescimento alimentado pelo petróleo deu lugar à estagnação económica e um movimento de protesto, liderado pelo dissidente Alexei Navalny, estava a reunir forças nas ruas de Moscovo.

Ernst inverteu o guião. Num deslumbrante desfile de montanhas flutuantes, lagos e cúpulas, heróis da vanguarda e mais de 3 mil artistas, o espetáculo olímpico de Ernst reformulou a realidade conturbada da Rússia no país da sua imaginação: poderoso, criativo, voltado para o futuro, triunfante. O mundo aplaudiu.

Ernst diria mais tarde que a produção era um trabalho de amor e que o seu pagamento por esta conquista foi apenas um rublo. "Seria idiota supor que professar o meu amor teria um preço", afirmou.

Mas o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação descobriu que, no dia da cerimónia de abertura, foi incorporada nas Ilhas Virgens Britânicas uma empresa que prepararia o caminho para uma participação secreta de 23% num acordo de privatização financiado pelo Estado russo no valor de mil milhões de dólares.