Sem surpresas, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) inclui o desdobramento do terceiro e do sexto escalões do IRS, o que resulta na existência de duas novas taxas de 26,5% e de 43,5%. Passam, assim, a existir nove patamares de rendimento e a consequente redução do impostos, mas somente para alguns.
Resumidamente, a taxa de IRS aplicada aos rendimentos dos 10.736 euros aos 15.216 euros passará de 28,5% para os 26,5% e a dos rendimentos coletáveis entre os 36.757 euros e os 48.033 euros passa de 45% para 43,5%. Na altura da apresentação da anterior proposta de OE, que foi chumbada pelo Parlamento, o Governo de então calculou em 150 milhões de euros a poupança, por ano, para os contribuintes.
Escalões do IRS em vigor
Escalões propostos no OE para 2022
Traduzindo, o alívio não será significativo. Bruno Alves, sócio da área fiscal da PwC, indica que “desta alteração resultará uma redução generalizada do imposto devido para todos os rendimentos acima do terceiro escalão”. Porém, há que ter em conta que essa situação “dependerá de diversos fatores, nomeadamente o nível de rendimentos e a composição do agregado familiar”.
Famílias com filhos saem a ganhar… mas há condições
Aqui há um ponto importante a reter. Para as famílias com filhos o desconto fiscal será mais expressivo. Porquê? Na proposta do Governo consta que a intenção de aumentar a dedução à coleta por cada dependente até aos seis anos de idade. Mas atenção que esta benesse tem condições: só se aplica a partir do segundo filho e traduz-se num aumento de 600 euros para 900 euros, mas… a subida ocorrerá de forma faseada, dos 600 para 750 euros este ano e, em 2023, chegará aos 900 euros.
“De acordo com as nossas simulações, podemos verificar que, apesar das alterações introduzidas ao IRS nos últimos anos, o valor do imposto devido em 2021 continua, na generalidade dos cenários analisados, a ser superior ao valor do IRS que era devido em 2012. Não obstante, em alguns dos agregados com dependentes, verifica-se a tendência contrária, havendo em 2021 um valor de IRS inferior ao de 2012, o que resulta, essencialmente, do aumento das deduções respeitantes aos dependentes”, indica Bruno Alves.
Sobre as atuais mexidas no IRS apresentadas pelo Executivo, o fiscalista confirma que se trata de uma “redução relativamente pouco expressiva”. E dá o exemplos dos “contribuintes enquadrados no sexto escalão de IRS (rendimentos entre os 25.076 euros e 36.757 euros) poderá ocorrer uma redução máxima de tributação de cerca de 200 euros por ano”.
Simulações do IRS para solteiros
Simulações do IRS para casados
Uma escada curta
É legítimo que um rendimento bruto de 75.009 euros anuais seja tributado a 48%? “No caso do rendimento do trabalho dependente, 75.009 euros de rendimento coletável (rendimento bruto deduzido das contribuições para a segurança social) equivalem a um rendimento bruto mensal de, aproximadamente, 6019,98 euros (pagos em 14 meses)”, indica Bruno Alves, sinalizando que “para o panorama sócio-económico português, estes são valores de rendimentos claramente superiores à média do rendimento recebido por um agregado familiar comum”.
Remetendo para as últimas estatísticas publicadas pela Autoridade Tributária para os anos de 2018, 2019 e 2020, o fiscalista lembra que quase 70% dos agregados familiares auferem um rendimento tributável anual inferior a 19 mil euros e 90% inferior a 40 mil euros. Porém, não há como fugir à constatação de que “se analisarmos a evolução dos escalões de rendimento, verificamos que existiu uma diminuição significativa do limite do último escalão, o qual antes de 2012 era de 153.300 euros, passando assim a taxa máxima do IRS a incidir sobre rendimentos inferiores ao que acontecia anteriormente”.
O especialista em IRS frisa que “a maior fatia do IRS em Portugal é, efetivamente, suportada pelas famílias com maiores rendimentos”. “Um contribuinte residente em Portugal que aufira rendimentos do trabalho superiores a 80 mil euros é sujeito a uma taxa marginal de imposto de pelo menos 50,5% (incluindo já a taxa adicional de solidariedade, que varia entre 2,5% e 5%)”. A que se somam 11% de contribuições para a segurança social, ou seja, “por cada 100 euros de rendimento adicional [acima do patamar dos 80 mil], apenas irá receber 38,50 euros”.
Há, porém, outro aspeto a considerar. “Permanece um problema mais estrutural nas taxas de IRS: o facto de níveis rendimento relativamente baixos serem sujeitos a taxas de IRS, ainda que marginais, elevadas”, atenta o fiscalista da PwC. E exemplifica: “Um contribuinte solteiro que aufira 16 mil euros de rendimento coletável (neste caso a dedução específica do rendimento tem um valor mínimo de 4104 euros, pelo que o valor equivalente de rendimento bruto mensal é de, aproximadamente de 1436 euros, pagos em 14 meses), é sujeita a IRS a uma taxa marginal de 26,5% (proposta do Orçamento do Estado de 2022), significando que, adicionando a taxa de 11% de contribuições para a segurança social, uma fatia relevante do rendimento seria sujeita a tributação (IRS e contribuições para a segurança social)”.
IRS jovem é turbinado e fica mais atraente
Já no que respeita aos jovens, cumulativamente, podem sair beneficiados em 2022, já que estão previstas diversas alterações que beneficiam esta faixa da população.
Há a intenção de o IRS Jovem aplicar-se também a rendimentos profissionais e empresariais e não apenas a rendimentos de trabalho dependente, passando a idade limite para usufruir deste regime de 26 para 28 anos, se estiver em causa a conclusão de um doutoramento. Esta medida do Orçamento do Estado para 2020 pretende incentivar a qualificação dos mais jovens e apoiar a sua integração na vida adulta e no mercado de trabalho.
Assim, a proposta para 2022 é de que a isenção passa a ser aplicável nos cinco primeiros anos, após o ano de conclusão do nível de estudos elegível (ao invés dos atuais três) e corresponde a 30% do rendimento auferido nos dois primeiros anos, 20% nos dois seguintes e 10% no último ano, com o limite de 3324 euros, 2216 euros e 1108 euros, respetivamente. Passa ainda a ser possível que o gozo da isenção possa ocorrer em anos seguintes ou interpolados, desde que o sujeito passivo não ultrapasse os 35 anos de idade.
Na opinião de Bruno Alves, quem mais vai beneficiar do alívio fiscal “são os contribuintes a partir do terceiro escalão de IRS, ou seja, pessoas com um rendimento mensal entre mil e 1750 euros, dado que o efeito do desdobramento dos escalões de IRS apenas será repercutido nestes casos e os jovens trabalhadores até aos 26 anos (ou 28 anos se em causa estiver a conclusão do doutoramento)”. A que se somam as famílias com vários filhos em idade pré-escolar.
Emigrantes têm desconto no IRS até 2023
Outra medida já esperada é a extensão até 2023 do regime fiscal aplicável a ex-residentes que regressaram a Portugal. Assim, a exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais passa a aplicar-se, igualmente, aos indivíduos que tenham voltado a morar e trabalhar em território português, ou venham a fazê-lo, em 2021, 2022 e 2023. Este benefício só é atribuído aos contribuintes que tenham sido considerados residentes em Portugal antes de 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, respetivamente. Já as restantes condições são as mesmas, isto é, quem se candidatar não pode ter residido em território português em qualquer dos três anos anteriores e deve apresentar uma situação tributária regularizada. Note-se que a exclusão de tributação aplica-se, igualmente, às regras de retenção na fonte do IRS devidas pelas entidades pagadoras de rendimentos.
Segundo o relatório que acompanha a proposta de OE2022, a criação de dois novos escalões, o aumento dos benefícios fiscais para as famílias com filhos, o enfoque nos mais jovens (com a prorrogação do Programa Regressar, incentivando o regresso de jovens profissionais, e alargando o IRS Jovem para apoiar os jovens qualificados nos primeiros cinco anos da sua carreira profissional), "o pacote IRS ascende a 210 milhões de euros em 2022".
Mínimo de existência aumenta
O Governo também quer aumentar em 200 euros o valor do mínimo de existência "que resulta da fórmula legal", fixando-o em 9 415 euros. "Este aumento extraordinário e temporário é feito, à semelhança do ano anterior, para compensar as famílias com menos rendimentos pelos efeitos económicos da pandemia". De acordo com relatório que acompanha a proposta de OE2022, "mais 170 mil agregados familiares de baixos rendimentos passam a ficar isentos de IRS", já que no imposto a liquidar em 2023, relativo aos rendimentos auferidos em 2022, "o Governo compromete-se, tal como consta do Programa de Governo, a corrigir elementos de regressividade que desincentivam o aumento de rendimento dos trabalhadores imediatamente acima do salário mínimo nacional [705 euros]".