Orçamento do Estado

A análise do Conselho das Finanças Públicas: orçamento não é de austeridade, mas pode correr mal por 10 razões

Conselho das Finanças Públicas divulgou esta segunda-feira a análise à proposta de Orçamento do Estado para 2021

Nazaré da Costa Cabral
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Joana Nunes Mateus

Afinal a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2021 não é expansionista nem restritiva. “A postura da política orçamental deverá ser globalmente neutra”, diz o Conselho das Finanças Públicas (CFP) depois de estimar uma variação quase nula esperada para o saldo primário estrutural (-0,1 pontos percentuais do PIB) entre este e o próximo ano.

O saldo primário estrutural é o valor do défice orçamental descontando a despesa com juros e depurado do efeito do ciclo económico e das medidas temporárias e não recorrentes. É o indicador usado para comparar políticas orçamentais em contextos diferentes. O CFP só considera que a orientação da política orçamental é restritiva/expansionista quando este melhora/piora pelo menos 0,25% do PIB potencial.

“Face ao cariz moderadamente expansionista do orçamento e à manutenção de níveis de despesa não compensados por equivalentes decisões de aumento de impostos, não surge como adequada a designação desta proposta como constituindo um orçamento de austeridade”, lê-se na análise à proposta de Orçamento do Estado para 2021

“No entanto, necessário se torna observar que o montante do estímulo e do apoio se encontra limitado pela vontade política de manter controlado o crescimento da dívida pública, por forma a garantir a manutenção da sustentabilidade orçamental, conservando a credibilidade e garantindo custos de financiamento que continuem em níveis baixos e adequados”, acrescenta a entidade independente liderada por Nazaré da Costa Cabral.

O problema é que um país já tão endividado não se pode endividar muito mais. De facto, a proposta orçamental prevê que o crescimento da dívida em percentagem do PIB em 2020 seja revertido ao longo de 2021, dada a recuperação económica prevista. “À escassez que, em resultado da pandemia, se caracteriza por uma contração da fronteira de possibilidades de produção, junta-se uma outra falta – aquela que resulta do escasso espaço orçamental disponível para uma economia em que a dívida pública é já elevada (e das mais elevadas na área do euro)”, assinala o CFP.

Se o OE2021 não é mais restritivo, é por causa do “dividendo orçamental” dos fundos europeus. “Deve aqui notar-se o papel que o financiamento comunitário tem para suportar parte da despesa pública em 2021, já que o apoio financeiro da União Europeia suportará medidas de despesa num total de 0,7% do PIB, ao abrigo da iniciativa REACT EU e da transferência de verbas destinadas ao Plano de Recuperação e Resiliência. Torna-se assim possível apoiar e estimular a atividade económica sem que se incorra na habitual alternativa entre aumento de impostos ou mais emissão de dívida, o que constitui um “dividendo” orçamental importante”, diz o CFP. Sem tal apoio, o OE2021 apresentaria um défice superior a 5% do PIB, ao contrário dos 4,3% do PIB estimados pelo ministério das Finanças.

Contudo, o CFP alerta que “a previsão orçamental para 2021 encerra riscos descendentes não negligenciáveis, desde logo o inerente ao elevado grau de incerteza que subsiste sobre a magnitude, abrangência e duração da situação pandémica que não permite excluir a possibilidade de que o impacto das medidas de política no contexto da pandemia venha a revelar-se superior ao previsto”.

Riscos do lado da despesa

Na despesa pública, além dos referidos impactos acrescidos que as medidas de reposta à crise pandémica possam obrigar, há o risco do Novo Banco, da TAP ou das garantias associadas aos empréstimos às empresas provocarem um rombo maior do que o previsto.

O CFP identifica, pelo menos, sete riscos quanto às despesas públicas:

1) O elevado grau de incerteza que subsiste sobre a magnitude, abrangência e duração da situação pandémica não permite excluir a possibilidade de que o impacto de medidas de política associadas à pandemia venha a ser mais elevado do que o previsto;

2) O risco de que o impacto desfavorável das despesas com o Novo Banco e com a TAP seja superior ao considerado na previsão para 2021 em contas nacionais. “No caso do Novo Banco, podendo ainda ser transferido um valor máximo de €914 milhões ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente, a despesa prevista em contas nacionais para aquele efeito em 2021 fica bastante aquém desse valor e dos montantes transferidos nos últimos dois anos. Quanto à TAP, o próprio relatório da POE/2021 alerta para a incerteza sobre o valor que a esta empresa poderá vir a necessitar em 2021”.

3) O risco decorrente da ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica, nomeadamente linhas de crédito a empresas;

4) O risco resultante das moratórias de crédito concedidas pelos bancos aos agentes económicos, pois a eventual incapacidade de solvência dos compromissos por parte desses agentes poderá implicar perdas para o sistema financeiro português e obrigar à intervenção do Estado através de apoios financeiros;

5) A previsão de despesa para 2021 incorpora uma poupança global de €135 milhões face a 2020 a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa, mas continua a não existir evidência sobre os ganhos de eficiência decorrentes desse exercício nos últimos anos;

6) Não obstante o regime excecional e temporário aplicável aos contratos de PPP, no relatório da proposta do OE2021 é referido que a pandemia de doença COVID-19 tem vindo a ser sinalizada pelos parceiros privados como eventual fundamento do direito a compensações ou à reposição do equilíbrio financeiro, “sendo expetável que venham a ser submetidos pedidos nesse sentido”;

7) O facto de uma parte significativa da despesa prevista para 2021 depender de financiamento comunitário que ainda não está formalmente aprovado pelas instituições europeias.

Riscos do lado da receita

A previsão do ministério das Finanças para a receita pública depende do crescimento da receita fiscal acima da dinâmica esperada para a atividade económica, bem como do aumento substancial dos fundos provenientes da União Europeia. Daí que o CFP identifique, pelo menos, mais três riscos do lado das despesas públicas:

8) A previsão de impostos, sobretudo relativa ao IRC e IVA, aponta para uma evolução mais elevada do que a prevista para as suas próprias bases macroeconómicas. Esta previsão implica a verificação de elasticidades superiores à unidade, para as quais o relatório da proposta do OE2021 não apresenta justificação, o que constitui um risco a assinalar.

“Mais detalhadamente, verifica-se que a elasticidade do IVA e do IRC face às suas bases macroeconómicas excedem consideravelmente a unidade. Note-se, no entanto, que a receita de IRC poderá beneficiar, no próximo ano, da suspensão dos pagamentos por conta em 2020, caso as empresas que suspenderam esses pagamentos apresentem resultados coincidentes com uma regularização em alta do imposto a pagar ou com um menor volume de reembolsos a receber em 2021. Não obstante, e pelo facto de não se encontrar o detalhe justificativo no relatório da proposta do OE2021 para estas variações, sinaliza-se a existência de um risco descendente para o cumprimento de objetivo inscrito para a receita tributária no próximo ano”, lê-se no relatório do CFP.

9) Este risco também se reflete na previsão do ministério das Finanças para a evolução das contribuições sociais em 2021. “A elasticidade implícita das contribuições sociais efetivas face às remunerações situa-se no dobro do valor unitário, configurando, assim, um risco acrescido para a execução da receita contributiva no ano de 2021”.

10) O crescimento da receita não fiscal e não contributiva deverá assentar, fundamentalmente, no aumento das transferências provenientes da União Europeia para atingir um crescimento de €2844 milhões (22,6%) em 2021. "Isto significa que as restantes receitas dependerão, sobretudo, de transferências provenientes da União Europeia, pelo que a execução dos programas REACT EU e do Plano de Recuperação e Resiliência é essencial para se atingir o montante esperado para a receita não fiscal e não contributiva na proposta do OE2021".

Note-se que a receita também inclui o reembolso de €1.088 milhões das chamadas “pre-paid margins” do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Como o Expresso já assinalou, trata-se de um "brinde" que este governo vai receber equivalente a 0,5% do PIB, respeitante a verbas pagas por empréstimos contraídos junto do FEEF em 2011 e que são agora devolvidas na maturidade do empréstimo.