Nicolau Santos

A PT e o seu ex-núcleo duro

Nicolau Santos (www.expresso.pt)

O Estado tem ou não autoridade moral para impedir a compra da Vivo pela Telefónica? A questão legal há-de ser dirimida nos tribunais. Mas a moral é também muito importante, porque há quem considere estar-se perante um crime de lesa-majestade aos direitos dos acionistas. Ora, para responder a esta questão é preciso recuar aos primórdios da Portugal Telecom (PT) e à sua expansão internacional para conhecer o esforço que o Estado fez (ou seja, os contribuintes) para construir a empresa e aquele que deve ser imputado aos privados.

Primeira questão: quem fundou a empresa? Em 1994, um Governo presidido por Aníbal Cavaco Silva e que tinha como ministro das Obras Públicas Joaquim Ferreira de Amaral incumbiu um alto quadro do PSD, Luís Todo-Bom, para realizar uma missão quase impossível: fusionar, em tempo recorde, três empresas públicas de telecomunicações para criar um grande operador nacional neste sector. E, assim, em 1994, nasce a PT, operador único nacional de telecomunicações que junta, por fusão, a Telecom Portugal, TLP e TDP. Seguem-se depois cinco fases de privatização da operadora, que ficam concluídas em 2000. A primeira resposta, portanto, é esta: foi o Estado e não os privados que constituiu o maior operador nacional de telecomunicações.

Segunda questão: e quem liderou a grande expansão internacional da PT, sobretudo para o Brasil? Em 1995, pouco depois de ter chegado ao poder, António Guterres, então primeiro-ministro, realiza a sua primeira viagem ao Brasil, para assim dar um sinal de que aquele mercado passava a ser estratégico para as empresas portuguesas. E quem deu esse exemplo foi a PT, liderada então por Murteira Nabo. A PT tornou-se um dos maiores investidores estrangeiros no Brasil e o maior entre os investidores nacionais naquele mercado. Comprou a Telesp Celular, a maior operadora móvel do estado de São Paulo, e lançou no Brasil uma novidade absoluta, que tinha sido desenvolvida em Portugal pela PT Inovação, o telemóvel pré-pago, que lhe deu enorme projeção e uma significativa quota de mercado. Segunda resposta: foi o poder político e não os privados que estimulou as empresas nacionais a apostarem no maior mercado do continente sul-americano.

Terceira questão: os principais acionistas portugueses da PT foram muito prejudicados pelo veto público à operação. Ora, para além dos dividendos que paga aos acionistas, a PT também mantém relações comerciais com alguns deles. Em 2009, a PT pagou à Visabeira por fornecimentos e serviços prestados ¤87,9 milhões (a empresa é um dos fornecedores à PT de fibra), ao BES ¤23,7 milhões e à Ongoing ¤2,7 milhões (por esta ter adquirido uma empresa, a Mobit, que já fornecia serviços à PT). Mas também a Heidrick & Struggles, uma empresa de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, prestou serviços à PT de ¤2,2 milhões (excluindo IVA) em 2009. E há ainda as grandes aplicações financeiras da PT em fundos da Telefónica, do BES e da Ongoing.

Não deixa, por isso, de ser irónico que tenham sido BES, Ongoing e Visabeira que aprovaram na assembleia geral a proposta de venda da Vivo à Telefónica. O que atrás fica descrito demonstra que estas três entidades são as que menos se podem queixar da decisão do Governo de proibir a operação. E se tivessem vergonha estavam era muito discretamente calados.

Coitados dos capitais

O Tribunal Europeu decidiu que o veto do Estado à compra da Vivo pela Telefónica, com base nas 500 ações especiais que detém, é ilegal, porque impede a livre circulação de capitais. É extraordinário o argumento, quando a única entidade que se move em todo o mundo com grande rapidez e nenhum constrangimento, escapando claramente ao controlo dos Estados, são exatamente os capitais. Se há restrições, é à livre circulação de mercadorias e, sobretudo, de pessoas, mesmo dentro da União Europeia. Agora descobrir barreiras à circulação de capitais só na cabecinha dos juízes do Tribunal de Justiça da União Europeia. Valha a verdade que Menezes Cordeiro, presidente da mesa da assembleia geral da PT, não só considerou completamente legal a utilização dessas ações especiais para impedir a operação, como disse que outros seis jurisconsultos deram a mesma opinião, como acrescentou ainda que qualquer queixa sobre esta matéria nos tribunais portugueses será derrotada. Por isso, a Telefónica, que é arrogante, mas não é parva, já percebeu que é melhor sentar-se à mesa para negociar com a PT uma solução para o impasse. E qualquer que seja o desfecho, esta já é uma indiscutível vitória para José Sócrates.

Reformas aos 70. E 80. E 90.

A União Europeia (UE) lançou esta semana um debate sobre o futuro do sistema da Segurança Social nos países europeus. Subjacente, está a ideia da necessidade de subir a idade da reforma para os 70 anos. É claro que faz não só sentido aumentar a idade da reforma, porque hoje em dia a esperança de vida é bastante mais elevada, como há países que fizeram loucuras nesta matéria, com reformas a partir dos 55 anos. Só que isto não resolve o problema: apenas o adia. E não resolve porque há dois aspectos cruciais para enfrentar esta ameaça: um, é o ritmo do crescimento económico; outro, o aumento da população ativa, decorrendo do subida da taxa de natalidade. Enquanto a Europa se preocupar sobretudo em reduzir os défices em vez de aumentar o potencial de crescimento da UE; e enquanto não houver uma política comum para estimular a natalidade no Velho Continente, tudo o que se fizer nesta matéria são panaceias que adiam, mas não resolvem o problema. E é extraordinário que os políticos não vejam estas evidências.

Diz-me com quem andas...

No dia 2 de julho, sexta-feira, o jornal brasileiro "Globo" colocava, às 23h53, a seguinte notícia no seu site "Os principais acionistas da Portugal Telecom, como o Banco Espírito Santo e a Ongoing, do empresário Nuno Vasconcelos, estão negociando com o Governo português a retirada do veto feito pelo primeiro-ministro José Sócrates à venda de parte da Vivo à Telefónica. (...) as empresas portuguesas estariam mostrando seus planos para o Brasil, que incluem entrar no controle da Oi, a maior empresa de telefonia do país".

No dia seguinte, 3 de julho, o "Diário Económico", controlado pela Ongoing, numa notícia escrita a meias por um jornalista e pelo diretor do jornal, dizia: "Os principais acionistas da PT estão a estudar a possibilidade de uma fusão com a operadora brasileira Oi, de forma a encontrar uma alternativa no Brasil que permita obter luz verde do Governo à venda da Vivo".

As duas notícias eram quase idênticas, com exceção do parágrafo em que o "Globo" escrevia: "A Ongoing, que no Brasil controla o 'Brasil Económico' e o jornal carioca 'O Dia', mantém relacionamento com José Dirceu, um dos colunistas permanentes de 'Brasil Econômico'. A mulher de Dirceu é diretora de marketing do grupo no Brasil".

E no dia 7 de julho, surpresa das surpresas, a agência Lusa divulgava a seguinte notícia: "José Dirceu, ex-ministro e atualmente um influente dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) do presidente Lula da Silva, defendeu a entrada da Portugal Telecom no capital da Oi. (...) "Sempre defendi a fusão da Oi com a Brasil Telecom ou uma empresa comum com a PT Portugal", afirmou Dirceu na entrevista ao programa "De frente com Gabi".

Ora convém lembrar que José Dirceu, ex-homem forte do Governo de Lula da Silva, deixou o cargo de ministro da Casa Civil, em 2005, na sequência do escândalo de um saco azul do PT, conhecido como "mensalão". E convém ainda lembrar que Marcos Valério, o empresário de marketing que esteve no epicentro do mensalão, foi o homem que a 11 de janeiro de 2005 abriu as portas do Palácio do Planalto a Ricardo Abecassis Espírito Santo, presidente do BES Investimento Brasil, para um encontro com José Dirceu, quando este era o chefe da Casa Civil de Lula da Silva - encontro que, segundo Abecassis, serviu apenas para falar dos projetos do BES no Brasil.

O passado tem destas coisas. Atira-se porta fora, mas ele volta pela janela. Ou, como diz o povo: "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és". E o que andas a fazer, acrescento eu.

Texto publicado na edição do Expresso de 10 de Julho de 2010