O Clube de Futebol Os Belenenses é proprietário de uma das três piscinas olímpicas de Lisboa, frequentada por 3000 pessoas por mês. Apesar da sua utilidade pública, a nova direção do clube, presidida pelo dirigente do CDS, João Almeida, decidiu encerrá-la, por dar um prejuízo anual de €200 mil, dados os custos superiores a €500 mil e receitas de €335 mil. É o dilema dos dedos e dos anéis.
Mutatis mutandis, a piscina do Belenenses serve como excelente alegoria para o país. Ou quase. No clube do Restelo, João Almeida chegou à conclusão que tinha de cortar nos gastos porque os utentes não estariam dispostos a pagar muito mais do que pagam pela utilização daquele espaço. Mas em São Bento pensa-se que aumentando os preços dos bilhetes, ou seja, os impostos, é possível manter todas as piscinas em funcionamento, i.e., todos os institutos, organismos e serviços públicos, mais a imensa panóplia dos apoios do Estado à sociedade e às empresas, mais o nível salarial da Função Pública e o das pensões, mais fazer acordos com os professores à custa do Orçamento do Estado, etc., etc. Infelizmente, não é. Por todos os lados se multiplicam os sinais de que o Estado não pode continuar a manter o nível de gastos que atingiu e que continuam a crescer 6% ao ano, muito acima da taxa de inflação. Contudo, o Estado pensa que sim. Pensa que pode manter tudo como está, porque pode sempre aumentar as receitas, através de novos impostos ou artifícios que, no fundo, significam novas subidas da carga fiscal (e sempre para os mesmos).
A crescente subida da carga fiscal não resolve os problemas do país: é apenas um paliativo para aquilo que é doloroso e se torna imperioso fazer: a redução dos gastos do Estado. E quando se olha para a despesa corrente primária, conclui-se que 85% são salários dos funcionários públicos e pensões. A conclusão é evidente: há que atacar aqui e tomar decisões violentas. A questão essencial é que a consolidação orçamental que se viveu entre 2005 e 2007 foi conseguida sobretudo pela via dos acréscimos da receita e pouco (de forma estrutural) por contributos da despesa. E o que se perspetiva para os próximos anos é o mesmo.
O que impressiona é que quem vai aos comandos não perceba que estamos a caminho do abismo. O endividamento do país tornou-se a versão do século XXI do desequilíbrio da balança de transações correntes dos anos 80. Inverter o caminho exige mão de ferro e cinco medidas fundamentais.
1) Elaborar orçamentos em que a despesa pública primária tenha obrigatoriamente de descer todos os anos pelo menos um ponto, em valores absolutos e deflacionados.
2) É obrigatório cortar a massa salarial na Função Pública, em 20% nos três próximos anos, ou por reduções salariais ou do número de funcionários; é obrigatório congelar também o crescimento das prestações sociais.
3) É obrigatório atuar drasticamente no sector dos transportes públicos, que é um sorvedouro de dinheiros do Estado, para além da introdução rápida de portagens nas SCUT.
4) É fundamental escrutinar organismos e serviços públicos, empresas públicas e municipalizadas e encerrar, encerrar, encerrar.
5) É decisivo concentrar todos os apoios existentes no sector exportador de bens e serviços de valor acrescentado.
Ou há moralidade...
O CDS e os partidos da oposição que aprovaram o corte de 5% nos vencimentos dos funcionários de alguns órgãos de soberania bem podem limpar as mãos à parede. Na verdade, é extraordinário como se faz uma proposta para reduzir os salários dos membros da Casa Civil e Militar do Presidente da República, dos gabinetes dos membros do Governo, dos gabinetes dos governos regionais, dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes e vereadores das câmaras municipais e governos civis - uma decisão justa face à crise e à evolução dramática dos gastos do Estado - e se deixa de fora outros órgãos de soberania como os gabinetes dos presidentes da Assembleia da República, Supremo Tribunal da Justiça, Tribunal Constitucional e Supremo tribunal Administrativo.
Daqui decorrem três coisas. A primeira é que Justiça é cada vez mais um Estado dentro do Estado e que os políticos têm medo do seu poder. A segunda é a hipocrisia do CDS-PP, responsável pela proposta e sempre pronto a encher a boca com o apoio aos desfavorecidos. A terceira é que, por uma vez, o PS é que defendia a posição correta - cortes para todos. E o quarto é que Cavaco Silva fez bem em chamar a atenção para a incongruência, mas talvez devesse ter ido mais longe, recusando o documento e obrigando os deputados a apreciá-lo de novo - para que passassem pela vergonha de o voltar a aprovar.
A crise ainda mora por aí
Bastou Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal, vir dizer que está preparado para "providenciar liquidez adicional, através de medidas não convencionais, se tal for necessário" na economia norte-americana, para se lhe seguir Massaki Shirakawa, governador do Banco do Japão e na quinta Jean-Claude Trichet, presidente do BCE. O recado é o mesmo: afinal a recuperação não está consolidada, o sistema financeiro mundial continua a correr riscos e, por isso, os grandes banqueiros centrais do mundo admitem agora que ainda não chegou o tempo de retirar as medidas extraordinárias de apoio ao sistema financeiro.
No meio disto, a Europa apela à China para valorizar o yuan, a China faz ouvidos de mercador, os Estados europeus pedem à Alemanha para aumentar o seu consumo, a Alemanha faz ouvidos de mercador... Moral da história: cada um por si e logo se vê.
Olha quem dá luz a Las Vegas!
Mesmo quem nunca foi a Las Vegas, como eu, imagina, através dos múltiplos filmes que têm como cenário a capital mundial do jogo, que é uma cidade escandalosamente iluminada. Na verdade, é a cidade em que existem mais casinos e locais de diversão noturna do planeta. Na Las Vegas Boulevard encontram-se os casinos mais imponentes do mundo, como o Stratosphere, Treasure Island, The Venetian, Paris, Bellagio, MGM Grand, Monte Carlo, New York, Luxor.
As luzes são parte integrante da cidade do pecado e do vício. Ora toda essa eletricidade é fornecida a Las Vegas pela Nevada Power, a empresa de energia daquele estado norte-americano. Bom, mas para produzir essa energia a Nevada Power necessita de adquirir transformadores de potência de tensão alta, média e baixa. Pois 90% desses transformadores utilizados pela Nevada Power são produzidos em Portugal pela Efacec, vendedor de referência para aquela empresa pela sua fiabilidade e garantia de qualidade - porque, como é óbvio, Las Vegas não pode correr o risco de um apagão por causa dos transformadores de potência.
A Efacec produz hoje equipamentos que são conhecidos pelos Rolls Royce dos transformadores de potência, não obstante a concorrência de grandes multinacionais como a Siemens, ABB, Alstom... De tal modo que é hoje uma das seis empresas a nível mundial que fornecem grandes transformadores para a energia nuclear, que exigem enorme fiabilidade.
Desde 2007, sob a liderança de Luís Filipe Pereira, a empresa definiu dez áreas de negócio e sete mercados/regiões geográficas preferenciais. A consequência foi o disparo das vendas, dos resultados e do número de empregados (mais de mil), 40% dos quais têm o grau de licenciatura, doutoramento ou mestrado - e se a fasquia baixar para o 12º ano, essa percentagem sobe para 83%. Todos os trabalhadores são avaliados, tendo em conta objetivos individuais e coletivos. Cada equipa gere uma unidade de negócios, cuja conta de exploração tem objetivos quantificados. Hoje em dia, 67% das vendas e encomendas já vêm do exterior, mas daqui a dois anos esse valor deve subir para 80%.
Para este indiscutível sucesso made in Portugal conta certamente a estabilidade acionista: a Efacec é controlada em 50%-50% pelo Grupo Mello e pela Têxtil Manuel Gonçalves. Pode ser que me arrependa, mas se isto não é um centro de decisão nacional de enorme competência, então o que é?
Texto publicado na edição do Expresso de 4 de setembro de 2010