Oh, como eu gostava de ser rico! Não era por nada, mas dava-me um certo gozo não fazer nada, viver ociosamente dos rendimentos e pagar uma taxa de IRS muito menor do que a que é suportada pelos que trabalham...
Vejamos. Se eu trabalhar muito e for bem remunerado, porque sou um profissional competente, trabalhador, diligente e dedicado, a minha taxa marginal de imposto pode ser de 42%. Isto é, por cada €100 euros de rendimento proveniente de trabalho adicional que se obtém por prolongar os horários de trabalho, por aumentar as competências e o meu bom desempenho técnico em detrimento do lazer ou do convívio com a família ou amigos, o Estado tributa-me €42 de imposto sobre o rendimento.
Mas se eu for rico e viver exclusivamente de mais-valias por investimento feito em empresas cotadas há mais de um ano, não pago nada! Não é bom?
Pode, claro, argumentar-se que há o risco de investir num mercado onde, em lugar de mais-valias, posso vir a obter menos-valias. Certo.
Por isso, se fosse rico investia apenas em obrigações ou aplicações bancárias de reduzido risco, tais como os depósitos. Nesse caso, apenas pagaria uma taxa de imposto de 20% sobre os rendimentos do capital e este permaneceria intacto...
Ai como seria bom, eu sentado na esplanada de havaianas, calções e camisas desportivas, a apanhar banhos de sol, de óculos escuros a ler romances, a namorar, a sorver deliciosos "cocktails", a ter tempo para dedicar aos meus filhos, e a ver passar os que trabalham, de manhã com caras amareladas, gravatas a apertar os pescoços dos ensonados corpos, a correrem sem tempo primeiro aos infantários, a largar as crianças, depois para os escritórios.
Pela noite, ao sair da stressante esplanada para ir relaxar no São Carlos, era vê-los, de caras cinzentas, estafados, a recolherem essas crianças que mal conhecem os pais que assim vivem e trabalham para pagar IRS a 42%... Deixem-nos trabalhar!
Delicioso...
Se eu fosse rico não teria dúvidas em ser socialista, e até apoiava as medidas da CGTP Intersindical, a qual propõe aumentar a taxa marginal máxima de IRS sobre o rendimento do trabalho, para eu assim poder continuar na esplanada...
João Duque, professor catedrático do ISEG