E agora? Sinto-me zonzo. Não me sinto doente nem fui, que saiba, contagiado pelo vírus. Mas a estranheza é enorme. Em primeiro lugar porque perdi uma pessoa próxima e que acaba por ser a segunda vítima portuguesa desta guerra. Segundo porque acabamos de ser convocados para a guerra. Sim, estamos oficialmente em guerra.
Por isso há que atuar como numa economia de guerra. Não há volta a dar. Por isso não se pense que este ano as coisas vão decorrer normalmente porque não vão! Nem vale a pena as instituições estarem a enviar e-mails a desmarcar reuniões ou eventos. Esqueçam 2020. Com sorte vamos organizar a ceia de Natal. “- Estás louco! - Tenho medo de ter razão…”
Em primeiro lugar há que perceber que, com esta guerra que está instalada, não é possível que possamos levar uma vida normal. A estratégia escolhida impõe uma aposta na frente de batalha com uma linha de defesa médica e uma retaguarda que acarreta o congelamento da mobilidade com a destruição da atividade económica de muitos setores.
Aparte a frente de batalha sobre a qual não e pronuncio, na retaguarda há que manter uma cadeia de produção – consumo absolutamente irrepreensível, oleado e abundante. Se ela falhar a guerra está perdida porque as pessoas vão disputar os bens e vão fazê-lo de modo violento e sem respeito pelo isolamento que a frente de batalha médica exige. É muito fácil desmoronar-se a sociedade que temos.
Vivemos numa sociedade livre, mas parece que iremos suspender essa liberdade por um par de meses. E essa perda é para garantir que os cidadãos alcancem os bens de que necessitam. Se vivêssemos numa economia planeada este seria o nosso dia-a-dia: comprávamos o que alguém decidia que comprássemos, na quantidade que achariam adequado, no local em que alguém decidiu. Mas não vivemos. E por isso a mudança nas nossas vidas vai ser muito dura. E será mais dura porque temos memória e sabemos como é boa a vida que tínhamos há um mês atrás!
Há que garantir que os produtos chegam ao mercado em abundância e de fácil acesso para se evitar o mercado negro e a especulação. Por isso, os pontos de retalho deveriam estar a funcionar de modo mais facilitado e não menos. Em vez de estarem a atuar em horário reduzido, deveriam abrir mais tempo com mais equipas em turnos 24/24 horas. Compreende-se a questão do espaço de segurança entre clientes, mas então porque não reorganizar e reforçar as vendas on-line? Há muita mão-de-obra disponível que podem deslocar-se de outros setores, e até podem organizar-se levantamentos realizados pelo cliente no cais de embarque das lojas sem necessidade de filas e ajuntamentos.
Há que garantir que todos os colaboradores das linhas de abastecimento têm as devidas proteções. Eles são os nossos soldados de infantaria. Mas até os soldados de infantaria têm equipamento! Não são carne para canhão. Para eles o meu aplauso das 22:00!
Muitas empresas irão soçobrar, muitos trabalhadores irão ficar desempregados. Há que garantir que continuam a ter acesso aos bens necessários, ou seja, que têm poder aquisitivo nas suas contas de depósito de forma muito rápida. Isso consegue-se salvando as empresas com injeções de liquidez imediata (não com linhas de crédito de acesso retardado e difícil) ou com dinheiro direto para as mãos dos trabalhadores. Porém, há que o fazer sem arrastar o problema para o sistema financeiro de modo a fazê-lo implodir. Há que solicitar aos reguladores bancários uma revisão séria das exigências que impõem e assumirem que a banca não vai falir. Seria aliás o momento adequado para acabarmos com o dinheiro físico porque assim se poderiam rastrear todos os movimentos de pagamento, permitindo evitar a especulação. Porém essa medida nunca será assumida de imediato pelo BCE. A Alemanha não está preparada.
Congelemos o passado apertemos os cintos e preparemo-nos para o mais perigoso mergulho económico que já assistimos. Ainda vão achar que o Passos Coelho e o Vitor Gaspar foram uns anjos.
A esperança é que o congelamento dure apenas um par de meses. Tenhamos fé e rumemos juntos.