Opinião

No Ártico de bicicleta: Arctic Race of Norway

A Arctic Race of Norway (ARN), uma corrida de ciclismo profissional que percorre anualmente as regiões do norte da Noruega, destaca-se como um exemplo notável de como o desporto pode ser mobilizado como instrumento de soft power e plataforma de sensibilização ambiental

Quando pensamos em desporto no Ártico ou países nórdicos, associamos imediatamente a desportos de inverno com neve e gelo. No entanto, e para os amantes de modalidades outras que o futebol, é possível acompanhar uma volta de bicicleta que ocorre acima do Círculo Polar Ártico (latitude de 66° 33′ 44″ Norte). Refiro-me à Volta ao Ártico de bicicleta, conhecida como a Arctic Race of Norway (ARN).

Passa a ser uma experiência única e envolvente assistir a uma prova de ciclismo, destacando o ambiente de festa, o entusiasmo e a emoção que envolve tanto os espectadores locais como os turistas. A Arctic Race of Norway combina a beleza natural das paisagens árticas com o desafio físico das etapas, criando uma atmosfera vibrante onde o desporto se mistura com o convívio e a celebração popular. A presença do público ao longo do percurso, independentemente das condições climatéricas, reflete a paixão pelo ciclismo, com destaque para momentos como correr ao lado dos atletas, gritar pelos seus nomes e partilhar a emoção das chegadas.

O evento reforça ainda o impacto cultural e turístico das provas, através da promoção de produtos locais, como o salmão do Ártico, e da singularidade da experiência no norte da Noruega, marcada pelo fenómeno natural do sol da meia-noite. O espetáculo desportivo, a beleza das paisagens e o envolvimento comunitário tornam o ciclismo uma celebração coletiva e memorável.

Num mundo cada vez mais interligado, onde os desafios ambientais e geopolíticos se cruzam com a necessidade de promover cooperação internacional, os eventos desportivos ganham uma nova dimensão estratégica. A ARN, uma corrida de ciclismo profissional que percorre anualmente as regiões do norte da Noruega, destaca-se como um exemplo notável de como o desporto pode ser mobilizado como instrumento de soft power e plataforma de sensibilização ambiental.

No ano de 2013, Knut-Eirik Dybdal, Diretor Executivo da Arctic Race of Norway, teve a ideia de organizar uma corrida de ciclismo profissional com o objetivo de criar oportunidades a jovens ciclistas e, simultaneamente, promover o norte da Noruega. Para dar vida a este projeto, contactou diversos potenciais parceiros e formou uma equipa de pessoas que partilhavam a mesma visão.

Em 2023, o 10ª aniversário da prova de ciclismo no Círculo Polar Ártico foi festejado no Tour de France. Na 15ª etapa da Volta à França foi organizado o Dia da Noruega junto à meta com a presença dos irmãos Toril e Lotta Udnes Weng e o vencedor da Arctic Race of Norway, Andreas Leknessund que se apresentaram em roller skis e bicicleta, respetivamente, perante o público do Tour de France.

A equipa do Tour de France (Amaury Sport Organisation- ASO) tem desempenhado um papel fundamental no crescimento e na consolidação da Arctic Race of Norway ao longo da última década, contribuindo com a sua experiência e prestígio para o desenvolvimento desta prova única no calendário internacional. Nos últimos 12 anos, a Arctic Race of Norway tem conseguido conquistar um lugar no calendário das provas de ciclismo como um desafio diferente, para as equipas e para os ciclistas. A participação de nomes sonantes como Chris Froome e Mathieu Van der Poel eleva o reconhecimento desta prova. Mathieu Van der Poel participou na Arctic Race of Norway em 2018 e 2019. Já, Chris Froome foi o primeiro vencedor do Tour de France a participar na volta ao Ártico em 2024.

Este ano, a volta mantém os quatro dias de etapas que passam no distrito de Troms, desde Kvaefjord até Tromsø, com 108 ciclistas de 18 equipas, sendo que 10 equipas profissionais participaram no Tour de France 2025. Paralelamente, decorrem várias conferências e eventos (side events), como por exemplo Conferência da Indústria ou ainda uma conferência sobre o desporto profissional e o seu contributo para conseguir sociedades mais atrativas.

A 12ª edição da Arctic Race of Norway contou com a presença de membros do governo norueguês, nomeadamente o Primeiro-Ministro norueguês, Jonas Gahr Størecom, e o Ministro de Comércio e Indústria, Jan Christian Vestre, na primeira etapa que decorreu no dia 7 de agosto. O Ministro das Pescas e Política do Oceano, Bjørnar Selnes Skjæran, e a ex-Primeira-Ministra, Erna Solberg, estiveram presentes na terceira etapa, no dia 9 de agosto.

Simultaneamente, a Volta ao Ártico contribui para aumentar a consciência global sobre a importância da preservação deste ecossistema frágil, cada vez mais ameaçado pelas alterações climáticas e desejo pela exploração dos seus recursos naturais. O evento sensibiliza não só os participantes e espectadores, mas também os decisores políticos e investidores, incentivando práticas mais sustentáveis e o compromisso com a proteção ambiental.

Uma volta amiga do ambiente

Num período em que não restam dúvidas quanto às alterações climáticas e o seu impacto, sendo a região do Ártico uma das mais afetadas, é prioridade para a organização da Volta minimizar os efeitos negativos na região. Deste modo, e acreditando que o ciclismo desempenha um papel fundamental na mobilidade urbana sustentável do futuro, a promoção do uso da bicicleta nas comunidades tem como objetivo influenciar positivamente a sociedade através das diversas iniciativas, tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Assim, esta volta acima do Círculo Polar Ártico pretende ser mais do que uma simples corrida. Em parceria com os seus diversos parceiros, a ARN compromete-se a gerar, todos os anos, um impacto positivo nas regiões do norte da Noruega, bem como melhorar aspetos essenciais da sustentabilidade do evento através de ações ambientais e sociais.

A Arctic Race of Norway recebeu a certificação Eco-Lighthouse. É a certificação ambiental reconhecida na Noruega, o equivalente a sistemas internacionais como o ISO 14001. Esta distinção afirma e valida o compromisso em minimizar o impacto ambiental do evento.

Os carros de apoio que acompanham durante os 4 dias os ciclistas são 100% elétricos desde 2023. Os carregamentos são assegurados localmente e por empresas parceiras do evento. É a primeira corrida de ciclismo profissional 100% amiga do ambiente. Para Amaury Sport Organisation (organizadores do Tour de France) a preocupação ambiental no desporto é um exemplo a seguir por outras organizações. Depende de cada um diminuir a sua pegada, para o bem e futuro do planeta e da humanidade.

Benefícios de uma volta como a Arctic Race of Norway

Para os organizadores desta volta, revela-se necessário realçar a promoção do empoderamento das comunidades do Ártico. A iniciativa promove ainda uma colaboração robusta entre diversas partes interessadas, reunindo presidentes de câmara, empresas, voluntários e comunidades locais numa plataforma única de cooperação intersectorial. Ao mesmo tempo estimula o planeamento conjunto e a realização de ações integradas, promovendo a partilha de responsabilidades entre os setores público e privado. Além disso, fomenta parcerias locais, como as que se estabelecem entre operadores turísticos, instituições culturais e educacionais, que beneficiam toda a região.

Com este evento, a mobilização de centenas de voluntários reforça significativamente a coesão social e o compromisso cívico, contribuindo para o aumento do orgulho local e o envolvimento ativo das comunidades. Pequenas comunidades árticas ganham visibilidade internacional, o que fortalece a sua identidade coletiva. Desta forma, deixa-se um legado, porque cria um valor a longo prazo como a melhoria da infraestrutura, o estímulo ao turismo e a valorização da identidade local.

Este esforço conjunto também impulsiona o desenvolvimento regional sustentável, ao destacar o potencial e a resiliência das comunidades do Ártico. Ao atrair investimentos e incentivar a permanência da população local, a iniciativa contribui para o fortalecimento das economias regionais, especialmente através do aumento da oferta de alojamento, transportes e outros serviços. Paralelamente, coloca em evidência a inovação e a transição verde no Norte, promovendo soluções em energia renovável, transporte sustentável e investigação científica no Ártico.

Finalmente, a ARN permite a promoção da região do Ártico no cenário global, a qual é significativamente ampliada através da transmissão televisiva (canal Eurosport) do evento para milhões de espectadores em todo o mundo. Esta visibilidade ajuda a posicionar o norte da Noruega e o Ártico como regiões vibrantes, habitáveis e estrategicamente relevantes. Funciona também como uma ferramenta eficaz de soft power, reforçando a presença e a liderança da Noruega na região por meio de narrativas positivas e visibilidade. Além disso, ao atrair a atenção internacional para os desafios e oportunidades do High North, esta iniciativa apoia os interesses geopolíticos da Noruega em áreas como as alterações climáticas, a segurança e a cooperação internacional.

A Arctic Race of Norway demonstra que, mesmo nas zonas mais remotas do planeta, é possível criar iniciativas com impacto global. Talvez unindo desporto, diplomacia e sustentabilidade seja possível uma liderança que tem por base valores, cooperação e respeito pelo futuro do planeta.

Agradecimentos à equipa organizadora da Arctic Race of Norway.