Numa crónica recente no seu blogue Horas Extraordinárias, a poeta e editora Maria do Rosário Pedreira assinala, e bem, que os homens não lêem mulheres.
"Num estudo realizado no Reino Unido por uma ONG chamada Women's Prize Trust (WPT) envolvendo 54.000 livros, concluiu-se que os homens compram sobretudo livros escritos por homens (mais de 80%), parecendo desconfiar de que os livros escritos por mulheres são xaroposos e ocos. (...) Em Portugal, ao que parece, segundo uma tese defendida na Universidade Nova de Lisboa por Clara Nunes da Silva, que teve por amostra 400 leitores (200 homens e 200 mulheres), 81% dos homens inquiridos escolheram livros escritos por homens, o que significa que o padrão se repete provavelmente em todos os países."
Estou certa de que uma percentagem semelhante seria revelada, caso houvesse um estudo para cada país — os homens demostram mesmo pouco ou nenhum interesse em livros escritos por mulheres. Talvez persista o velho preconceito de temáticas que não os seduzem, mas a verdade é que as “temáticas de mulheres” não existem de forma peremptória, e se alguma vez existiram, foram metodicamente programadas por editores homens que só permitiam que saíssem conteúdos dignos do género feminino (vá-se lá saber o que queriam com isto dizer). Às escritoras, só quando se apresentavam sob pseudónimo masculino lhes era oferecida a possibilidade da obra não ser escrutinada pelo género da autora; vista apenas pelo valor literário.
Sem recorrer às escritoras do passado, queria deixar-vos, sobretudo a vós, homens que lêem este jornal (mas também a qualquer pessoa, independentemente do género), um cardápio de nomes e obras de escritoras contemporâneas, nacionais e internacionais, espero que digno de acirrar a curiosidade. Podem aproveitar o Verão para iniciar a descoberta, todavia estou certa de que não serão uma leitura sazonal — vão encontrar livros marcantes para qualquer momento.
Deixo-vos dez sugestões de autoras internacionais, cujo trabalho admiro e recomendo (publicadas em Portugal), e uma das suas obras como hors-d'œuvre, façam depois o trabalho de casa e descubram outras obras destas autoras. Joan Didion (O Ano do Pensamento Mágico, Cultura Editora), Camila Sosa Villada (As Malditas, BCF), Lydia Davis (Contos Completos, Relógio D’ Água), a prémio Nobel Han Kang (A Vegetariana, Dom Quixote), Fleur Jaeggy (Felizes Anos de Castigo, Penguin Random House), a também prémio Nobel Annie Ernaux (O Acontecimento, Livros do Brasil), Tove Ditlevsen (A Trilogia de Copenhaga, Dom Quixote), Virginie Despentes (Caro Idiota, Elsinore), Rachel Cusk (trilogia AContraluz, Quetzal), Elena Ferrante (A Amiga Genial, Relógio d’Água), Chimamanda Ngozi Adichie (Americanah, Dom Quixote) e Arundhati Roy (O Deus das Pequenas Coisas, Asa). Poderia mencionar outros nomes (deixei tantos de fora), a lista de escritoras com obras magníficas é, felizmente, muito extensa.
A prosa narrativa contemporânea escrita em língua portuguesa e por mulheres, também se apresenta com grande qualidade, por isso deixo-vos igualmente dez nomes e sugestões das respectivas obras. Dulce Maria Cardoso (O Retorno, Tinta-da-China), Isabela Figueiredo (Caderno de Memórias Coloniais, Caminho), Joana Bértholo (Natureza Urbana, Relógio D’Água), Patrícia Portela (Manual Para Andar Espantada Por Existir, Caminho), Clarice Lispector (Laços de Família, Relógio D’Água), Paulina Chiziane (Niketche: Uma História de Poligamia, Caminho), Nara Vidal (Eva, Todavia), Alexandra Lucas Coelho (Líbano, Labirinto, Caminho), Ana Teresa Pereira (Karen, Relógio D’ Água) e, por último, Agustina Bessa-Luís (Fanny Owen, Relógio D’ Água). E outros nomes podia e devia partilhar, nomeadamente na área da poesia em língua portuguesa feita por mulheres. Escreverei essas recomendações numa outra crónica. Por agora, regozijar-me-ei se tiver conseguido despertar a curiosidade e conquistado alguns leitores que se diziam avessos a obras escritas por mulheres. Gostaria de receber o retorno das vossas descobertas à la carte. Boas leituras.