Carl von Clausewitz é um daqueles autores que é sempre treslido, sobretudo por aquelas boas consciências que precisam de sinalizar a sua alegada virtude a cada sílaba. Estas mentes que se julgam superiores na sensibilidade e no gosto carecem de homens de palha, monstros desumanos, mafarricos, os negativos da sua alegada superioridade. Tal como Hobbes ou Maquiavel, Clausewitz é um desses autores que são reduzidos a uma caricatura luciférica.
Sucede que Clausewitz não é o monstro da guerra total da caricatura. Culpá-lo, por exemplo, pela I Guerra é um absurdo. Quem inventou a guerra total foi Napoleão; inventou na prática. No livro “Da Guerra”, o prussiano Clausewitz respondeu na teoria à revolução destruidora dos exércitos revolucionários franceses. No entanto, é fácil encontrar boa imprensa para Napoleão, e é muito fácil encontrar má imprensa para Clausewitz.
É a doença infantil dos meios intelectuais: como era símbolo da revolução francesa, Napoleão merece um olhar benigno mesmo quando inventou uma destruição sem paralelo; como representava uma nação conservadora e desconfiada da revolução, Prússia, Clausewitz merece à partida um olhar mais crítico, o que é bastante injusto, como mostra Hugh Smith. O apóstolo da destruição total não foi Clausewitz, foi Napoleão. O primeiro respondeu – na teoria – à destruição real conduzida pelo segundo.
Clausewitz era um pensador sofisticado que cruzava a racionalidade iluminista com a sensibilidade contra-iluminista que alertava para a psicologia humana (que vai muito além da análise racional) e para o papel do acaso. É por isso que ler Clausewitz não é uma leitura histórica e situada, é uma ferramenta conceptual para aqui e agora, ajuda a pensar.
Da mesma forma que, perante uma audiência moderna, um maestro adapta uma pauta de um compositor antigo, Clausewitz pode ser adaptado à guerra de hoje. “Da Guerra” não é um alcorão para seguir à linha, é um padrão.
Por exemplo, o que diria Clausewitz dos drones? Vou arriscar: diria que o drone é uma revolução epistemológica na guerra, porque cria uma dimensão nova para lá das três óbvias, terra, mar, ar. Se há forças anfíbias que operam entre o mar e a terra, é preciso agora inventar uma palavra para esta força que opera entre o ar e a terra e que não é da força aérea, é do exército.
Não estou a falar dos drones que parecem aviões, estou a falar dos drones que se movem como robôs no céu e que perseguem soldados e tanques a uma curtíssima distância do solo. São anjos ou superheróis que voam por cima dos soldados e dos tanques.
Como diz o operador mais famoso destes drones na Ucrânia, “Darwin, estamos perante a maior invenção bélica desde a bala”. E eu acrescentaria que é uma revolução epistemológica para o ser humano para lá da guerra. Nós sempre quisemos a liberdade dos pássaros. O avião ficou próximo, mas não é a mesma coisa; o avião voa por cima dos pássaros e sem a agilidade destes. Com o drone, o homem sente finalmente o que é ser uma ave.