Opinião

A oportunidade e as pedras no caminho

A classificação europeia de quatro projetos de matérias-primas como estratégicos para Portugal é, sem dúvida, uma excelente notícia, tanto para os próprios projetos como para o país. Mas estará Portugal preparado para aproveitar esta oportunidade?

O Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas (REMPC), aprovado há quase um ano e de aplicação direta nos países da UE, criou um conjunto de obrigações para os Estados-Membros, nomeadamente a contribuição para as metas de 10% de mineração, 40% de processamento e 25% de reciclagem das necessidades internas de matérias-primas críticas. Estas metas foram estabelecidas principalmente em resposta ao crescente risco económico que a Europa tem enfrentado ao longo das últimas décadas, ao tornar-se altamente dependente de países terceiros, como a China, para o fornecimento de matérias-primas.

Mas se até agora, o que parecia estar em causa eram “apenas” algumas cadeias de valor e os seus impactos na economia, os acontecimentos dos últimos meses vieram mostrar que em causa está, em última instância, a segurança e a soberania dos países europeus e das suas democracias. Como assinalou recentemente o comissário executivo e vice-presidente da Comissão Europeia, Stéphane Séjourné, o contexto geopolítico dos últimos 4 meses veio criar uma urgência e a necessidade de acelerar a aplicação das políticas que vinham a ser delineadas há vários anos. Durante o mês de março assistimos ao lançamento pela Comissão Europeia do “Plano de ação para garantir uma indústria de aço e metais competitiva e descarbonizada na Europa”, do “Plano de Ação Industrial para o setor automóvel europeu”, e por último da publicação da lista de projetos estratégicos das matérias-primas.

Países como França, Alemanha e Espanha já anunciaram a criação de grandes fundos de apoio financeiro e mecanismos de garantia para reduzir o risco financeiro dos projetos de matérias-primas críticas. Contudo, relativamente aos novos projetos mineiros, o grande desafio não é tecnológico, ambiental, social ou financeiro. Tanto as empresas como o Estado concedente (não nos podemos esquecer de que os depósitos minerais são um bem público de todos) enfrentam um cenário de litigância permanente, que atrasa processos já complexos e exigentes devido ao rigor do licenciamento. O problema não se resume apenas à morosidade das decisões judiciais; trata-se também do abuso de instrumentos legais concebidos para a defesa dos cidadãos, mas que são utilizados exclusivamente para atrasar e, em última instância, inviabilizar projetos. Não devemos, contudo, cair na tentação de aliviar as exigências do processo de licenciamento para o acelerar, pois o próprio processo contribui para melhorar os projetos e garantir a devida conciliação dos interesses públicos e privados. O REMPC prevê que os Estados-Membros concedam aos projetos estratégicos um estatuto prioritário a nível nacional, garantindo uma tramitação administrativa célere e um tratamento urgente em todos os processos judiciais, incluindo, mecanismos alternativos de resolução de litígios.

O REMPC não se limita apenas a encontrar soluções internas para o fornecimento de matérias-primas, a UE prepara-se para realizar compras centralizadas, de forma a obter maior poder negocial, tal como fez com as vacinas da COVID-19 durante a pandemia. Também neste contexto, Portugal precisa de se preparar. A compra destas commodities está atualmente a cargo do setor privado, ao contrário das vacinas, cuja aquisição foi responsabilidade do Estado. Embora ainda não se saiba como será a compra centralizada pela UE, é urgente pelo menos identificar as necessidades de matérias-primas críticas da indústria portuguesa, para podermos participar e beneficiar deste novo mecanismo.

Se queremos aproveitar esta oportunidade, ainda temos de retirar algumas pedras do caminho e, sobretudo, tirar os planos do papel e passar à ação.