Vivemos numa época em que o empreendedorismo se tornou a palavra de ordem.
A ideia de criar o próprio negócio, de ser o próprio chefe e de alcançar a tão desejada liberdade financeira tem sido promovida como o único caminho para o sucesso. As redes sociais bombardeiam-nos com histórias de sucesso de jovens que largaram empregos estáveis ou desistiram das faculdades para se lançarem no mundo digital.
Mas será que estamos a exagerar?
O trabalho das 9 às 5, outrora o pilar da estabilidade, passou a ser visto como algo ultrapassado, quase um sinal de falta de ambição. Tornou-se um cliché dizer que "ninguém quer mais trabalhar das 9 às 5", como se este modelo fosse incapaz de proporcionar realização pessoal e profissional.
Mas será mesmo assim?
De acordo com dados recentes, o número de startups tem crescido exponencialmente. Em Portugal, registou-se um aumento significativo de novas empresas, especialmente no setor digital, com milhares de jovens a tentarem a sua sorte no mundo dos negócios online. Contudo, muitas destas empresas não sobrevivem mais do que dois ou três anos. Em 2023, por exemplo, cerca de 60% das startups fundadas nos últimos cinco anos em Portugal fecharam as portas, incapazes de sustentar o crescimento inicial ou de se adaptar às exigências do mercado.
Paralelamente, assistimos a um crescimento desenfreado de jovens que ambicionam tornar-se influenciadores digitais. Um estudo recente revelou que mais de 40% dos jovens entre os 18 e 24 anos consideram a carreira de influenciador como a sua principal meta profissional. Esta tendência levanta questões sobre o futuro do mercado de trabalho e sobre o valor que a sociedade está a atribuir a profissões que, por muitos anos, sustentaram a nossa economia.
No entanto, enquanto muitos se lançam nesta “aventura digital”, várias profissões tradicionais enfrentam um declínio alarmante.
Profissões como a de sapateiro, relojoeiro, alfaiate, e até mesmo algumas funções na área industrial e da construção civil, estão a desaparecer a um ritmo acelerado. Estas profissões são vitais para a manutenção de certas tradições e para a satisfação de necessidades que a tecnologia não consegue substituir. Em Portugal, o número de carpinteiros, por exemplo, diminuiu em mais de 70% nas últimas duas décadas, o que indica uma perda significativa de competências e saberes essenciais.
Num mundo que parece ter-se apaixonado pela ideia de "empreender", é crucial lembrar que o sucesso e a realização não estão reservados apenas para aqueles que criam o seu próprio negócio. Há uma enorme dignidade em seguir uma carreira mais tradicional, em investir na formação, no ensino, e em tornar-se um profissional competente e respeitado.
Precisamos de advogados que defendam os direitos dos cidadãos, médicos que cuidem da nossa saúde, engenheiros que constroem o futuro, técnicos que garantem o funcionamento das infraestruturas, e gestores que orientam as empresas para o sucesso. Estes profissionais são os alicerces sobre os quais a nossa sociedade e economia se sustentam.
Não se trata de diminuir o mérito de quem arrisca no mundo do empreendedorismo – a coragem e a inovação merecem todo o nosso respeito e admiração. Contudo, devemos também valorizar e incentivar aqueles que optam por carreiras ditas "normais". Precisamos de trolhas que constroem as casas onde vivemos, carpinteiros que moldam a madeira em arte funcional, e muitos outros profissionais cujas habilidades são fundamentais para o nosso dia a dia.
Sem estas profissões, a economia não avança, a sociedade não funciona, e o progresso torna-se impossível.
O que parece estar a perder-se nesta vaga de empreendedorismo é a noção de que um emprego tradicional pode ser tão estimulante, desafiador e promissor como qualquer outro.
Trabalhar das 9 às 5 não é sinónimo de fracasso ou de falta de ambição. Muito pelo contrário, é possível encontrar realização, aprender, crescer e até inovar dentro deste formato.
Não é a estrutura do trabalho que determina o nosso sucesso ou felicidade, mas sim o propósito e o empenho que colocamos no que fazemos.
Vivemos numa era em que a tecnologia domina, mas não podemos esquecer que a vida não se passa apenas no digital.
A ironia dos tempos modernos é que, num futuro próximo, "empreender" pode acabar por significar precisamente ter uma profissão das 9 às 5. Enquanto todos correm para o digital, a necessidade de profissionais qualificados nas áreas tradicionais torna-se cada vez mais evidente e valiosa. O verdadeiro desafio será reconhecer e valorizar essas profissões antes que seja tarde demais.
O romantismo em torno do empreendedorismo pode ser atraente, mas também pode ser enganador.
A realidade é que nem todos estão destinados a ser empreendedores, e isso não é algo negativo. Há valor em todas as formas de trabalho, e é essencial que reconheçamos isso antes que uma geração inteira se perca na procura de algo que, muitas vezes, é um sonho mais vendido do que alcançado.
É hora de reavaliarmos o que realmente significa sucesso.
Talvez seja tempo de reconhecer que o trabalho das 9 às 5 pode ser o caminho certo para muitos, oferecendo a estabilidade e a oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional que tantos procuram. Afinal, nem tudo o que é digital reluz, e nem todas as liberdades são financeiramente viáveis.
Concluo com uma reflexão: antes de saltarmos para o abismo do empreendedorismo, talvez devêssemos considerar se o que realmente procuramos não está já ao nosso alcance, das 9 às 5.