Opinião

A farsa da igualdade: onde estão as mulheres nas decisões de Portugal?

Portugal gosta de se ver como um país progressista, onde a igualdade de género é uma bandeira assumida e promovida. Contudo, basta um olhar mais atento aos cargos de chefia nas empresas, nas instituições públicas, e até na própria política, para perceber que esta igualdade é, na melhor das hipóteses, uma ilusão convenientemente alimentada

A verdade, por mais desconfortável que seja, é que, em pleno século XXI, as mulheres continuam a ser sub-representadas nos lugares de decisão, como se o poder, em última instância, ainda fosse um privilégio masculino. Por que razão as mulheres continuam a ser sistematicamente deixadas de lado quando chega o momento de liderar? Será que a meritocracia, tão insistentemente defendida, não se aplica ao género feminino?

Muitos vêem nas quotas de género uma solução mágica para a desigualdade. Contudo, estas quotas, quando existem, são frequentemente tratadas como um favor e não como um direito. Pior ainda, as quotas podem criar a falsa impressão de que o problema está resolvido, quando na realidade não passam de uma pequena parte de uma solução muito mais complexa. O que é realmente necessário são mudanças estruturais, que vão além das medidas superficiais e atacam as raízes do problema.

A cultura corporativa em Portugal, tal como em muitos outros países, ainda está profundamente enraizada numa lógica de exclusão. Muitos dos cargos de chefia são decididos em círculos fechados, onde a confiança é construída em relações pessoais que se formaram em clubes de elite, predominantemente masculinos. As mulheres, frequentemente, nem sequer têm a oportunidade de entrar nesses círculos, perpetuando um ciclo vicioso em que os mesmos tipos de pessoas são sempre escolhidos para liderar. Esta realidade mantém-se como um dos grandes obstáculos à verdadeira igualdade de género nos lugares de poder.

Esta situação é particularmente visível em painéis de conferências de líderes ou CEO’s, onde a presença feminina é, na maioria das vezes, meramente simbólica ou, em alguns casos, totalmente inexistente. Também nos órgãos sociais das Associações Empresariais a presença das mulheres é mínima, o que contrasta fortemente com a sua crescente participação no mercado de trabalho e em cargos de responsabilidade intermédia. Esta falta de representatividade é algo que testemunho em primeira mão, tanto enquanto participante em conferências como na minha experiência enquanto dirigente associativo. É frustrante e, ao mesmo tempo, revelador da distância que ainda temos de percorrer para alcançar uma verdadeira igualdade de género em cargos de decisão.

Ouvimos frequentemente que as mulheres não chegam ao topo porque “escolhem” dar prioridade à família ou porque “não querem” lidar com a pressão dos altos cargos. Este argumento é não só redutor, como também ignorante das barreiras sistémicas que fazem com que estas escolhas sejam, na verdade, imposições sociais e culturais. O ambiente de trabalho e as expectativas impostas sobre as mulheres precisam de ser transformados para que estas escolhas sejam realmente livres e baseadas no mérito e nas ambições individuais, e não em pressões externas.

O exemplo de Kamala Harris, a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos da América e a primeira mulher de ascendência afro-americana e sul-asiática a alcançar tal feito, é um marco histórico que deve inspirar não só as mulheres americanas, mas também as mulheres em todo o mundo, incluindo em Portugal. Harris não só quebrou barreiras significativas como está a um passo de se tornar a primeira mulher a liderar a maior nação do mundo, caso venha a assumir a presidência. Este exemplo deve servir de inspiração para que em Portugal se reconheça que as mulheres têm não só a capacidade, mas também o direito de ocupar os mais altos cargos de decisão. A presença de mulheres como Kamala Harris nos lugares de poder demonstra que a verdadeira igualdade de género é possível e necessária. Portugal, se quiser realmente ser progressista, deve seguir este exemplo e garantir que mais mulheres tenham a oportunidade de liderar e de influenciar o futuro da nação.

Não faltam exemplos de mulheres que chegaram ao topo e que se destacaram pelas suas capacidades de liderança. Mas estas exceções não provam a regra; pelo contrário, demonstram como estas mulheres tiveram que ser extraordinárias para alcançar o que muitos homens conseguem com uma performance mediana. A sociedade continua a exigir que as mulheres façam muito mais para provarem o seu valor, colocando uma pressão adicional que raramente recai sobre os ombros dos homens.

A sub-representação das mulheres em cargos de chefia e decisão não é apenas um problema de igualdade de género; é também uma questão de eficiência e de justiça social. As empresas e as instituições que não aproveitam o talento feminino estão a desperdiçar recursos preciosos e a limitar o seu próprio potencial de crescimento e inovação. Portugal não pode continuar a reclamar um lugar de destaque na igualdade de género enquanto metade da sua população estiver excluída das decisões que moldam o nosso futuro. Chegou a hora de passarmos das palavras aos atos e de enfrentarmos as estruturas que perpetuam esta desigualdade. O futuro de Portugal, verdadeiramente, depende disso.