O período da pré-campanha e da própria campanha às Eleições para o Parlamento Europeu a 9 de Junho não seria a altura conveniente para se conhecer, escrutinar o que andaram a fazer os deputados eleitos em 2019 durante o mandato 2019/2024? Saber como asseguraram o cumprimento dos seus compromissos e programas eleitorais, as promessas feitas nas eleições de 2019?
Tanta gente preocupada com a ligação dos eleitos/deputados aos seus eleitores, devendo estes saber quem são os seus deputados, a sua responsabilização perante o país que os elegeu, tanto que alguns até vêem na criação dos círculos uninominais (1) a varinha mágica para salvar a pátria dos deputados calaceiros, a forma milagrosa de combater a abstenção, o modelo óptimo para obrigar os partidos a fazer as boas e criteriosas escolhas dos candidatos, e não seleccionarem apenas os “yes men” e os “boys”. E depois chegam umas eleições com mandatos de cinco anos a exercer numa sede/parlamento fora do país, com um trabalho político/parlamentar que salvo raríssimas excepções (o que não devia acontecer), nunca, jamais é noticiado, acompanhado, visualizado pela generalidade da comunicação social portuguesa, apenas uns debates a horas tardias na RTP 2, e ninguém quer saber o que andaram a fazer umas pessoas que foram eleitas e que ganharam, ao que dizem, uns chorudos ordenados, pagos pelos contribuintes! É no mínimo estranho. E é evidente que, não se analisando o trabalho dos deputados, igualmente se desconhecem quais as posições dos partidos portugueses com representação parlamentar em Bruxelas e Estrasburgo – mesmo se, naturalmente, de acordo com as suas orientações político-ideológicas – em defesa dos interesses do país e dos portugueses/do povo. Que ao que consta é para isso que lá estão. É para isso que estão a dizer na campanha eleitoral em curso que querem ter votos e deputados eleitos a 9 de Junho. Então como é que se explica o mutismo de candidatos e partidos (com poucas excepções) na campanha eleitoral sobre o trabalho feito? O que explica esse balanço ser “um não problema” nos debates e entrevistas e cobertura da campanha eleitoral? Nem nos jornais, nem na rádio nem nas televisões!?
Tanta polémica sobre os temas dos debates e entrevistas (quase sempre sem sentido, porque é manifestamente absurda a separação artificial/mecânica entre problemas nacionais e políticas comunitárias!) e depois nem uma palavra sobre a intervenção concreta dos deputados e partidos nessa montra da União Europeia? Mas não será das boas normas parlamentares prestar contas? Então porque não prestam? E porque não questionam os media essa não prestação?
Será que não fizeram nada ou quase nada? (2) Ou o que fizeram não é nada de que se possam orgulhar os actuais candidatos e os partidos a que pertencem? É isso que explica a varredela quase geral nas listas de candidatos do PS e PSD/CDS, uma espécie de penalização aos ainda deputados mas já não candidatos? É isso que explica a escolha de cabeças de lista pelo PS e PSD pouco ou nada familiarizados com as políticas do UE, e em que terá pesado fundamentalmente o possível impacto mediático dos escolhidos?
Será para não terem de confrontar o que não fizeram com o imenso trabalho dos que trabalharam e por isso prestaram contas, como os deputados do PCP, João Ferreira, Sandra Pereira e João Pimenta Lopes? (3) Mas o que explica a indiferença da comunicação social dominante? Será que a prestação de contas são simples pormenores na imensa agenda de uma campanha eleitoral nos países que integram a União Europeia e dos votos para escolher a representação partidária de cada país no Parlamento Europeu?
Haverá em tudo o que atrás se refere elementos explicativos e justificativos, mas o essencial será certamente outra questão, bem visível nestes dias de campanha eleitoral. A enorme farsa dos grandes diferendos e choques programáticos entre PS e PSD, simulada nos debates, nas entrevistas, nas notícias de cobertura de iniciativas eleitorais, e dinamizada pela fraude de uma bipolarização criada pelos media que, na base de picardias e troca de galhardetes e até exigências de “pedidos de desculpa” entre os seus cabeças de lista, Temido e Bugalho, inventam diferenças e contradições que não existem. A campanha exibe e mostra essa identidade central de pontos de vista e comunhão das políticas europeias (inevitavelmente reflectidas depois nas políticas governamentais), quer se trate de migrações, governação económica e BCE, guerras na Ucrânia e na Palestina,… assente nas três orientações nucleares da integração capitalista em curso: federalismo, neoliberalismo e militarismo! E qualquer balanço sério da intervenção dos seus deputados em Bruxelas e Estrasburgo, neste mandato como nos mandatos anteriores, comprovaria, testemunharia, consolidaria o facto de que nada os distingue. Não se encontraria um voto diferenciador em nada de essencial. Bem pode Marta Temido cavar e Bugalho investigar, apenas trocos achariam... e poucos. Não há uma questão, problema do país ou dos portugueses/do povo português que, tratado no Parlamento Europeu entre 2019 e 2024, tivesse tido direito a opiniões e, menos ainda, a votos contrários, do PS e PSD! Esta a razão forte do pouco ou nulo interesse em dar conta do trabalho realizado, e também evidente razão para o desinteresse, indiferença e ocultação do assunto por quem domina a comunicação social.
Houve órgãos de comunicação social que estiveram na Conferência de Imprensa promovida para dar conta do Balanço do trabalho dos deputados comunistas no mandato que agora termina. Em termos mediáticos a Conferência foi, o que sucede vezes demais, subvertida por notícias e declarações à margem do seu tema central. Do Balanço divulgado: ZERO!
Mas percebe-se, mesmo se é inaceitável. O Balanço põe a nu e desmonta todas as mentiras dos que reclamam, exigem, propõem a alteração do actual sistema eleitoral para que os eleitos/deputados sejam conhecidos e sejam responsabilizados por quem os elegeu. O Balanço evidencia como os actuais problemas – da saúde à educação, passando pelos sectores produtivos, dos salários e pensões aos lucros dos MPME, da privatização da TAP ao domínio da banca pelo capital espanhol, etc., etc. – estão imbricados com as políticas comunitárias e o espartilho do Euro, e que não é possível debater, separar essas duas dimensões na sua abordagem. O Balanço mostra que é possível outra política, mesmo no quadro estreito e limitador da União Europeia, e que os comunistas não se cansam de lutar por ela.
O magnífico trabalho dos deputados do PCP está assente num incansável esforço de contacto e proximidade com os problemas. O Balanço mostra-o de forma irrecusável a quem não quiser pôr uma pala à frente dos olhos, como faz a comunicação social dominante. Como se escreve no Balanço dado a conhecer na Conferência de Imprensa de 30ABR24:
“A intervenção do PCP no Parlamento Europeu (PE) caracteriza-se por uma profunda ligação à realidade nacional e aos problemas do povo e do País, à luta dos trabalhadores e das populações pelos seus direitos e anseios, assim como pela defesa dos interesses de Portugal, da soberania e da independência nacionais.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu (PE) realizaram cerca de 1559 iniciativas diferenciadas, não sendo este o número total de iniciativas efectivamente realizadas ao longo dos últimos cinco anos, pois muitas delas tiveram lugar mais do que uma vez, como aconteceu com a realização de mais do que uma visita ou deslocação à mesma empresa ou localidade, entre outros exemplos. Deste modo, os deputados do PCP no PE realizaram: contactos com trabalhadores em 481 empresas e locais de trabalho; contactos com a população em 313 feiras, mercados, centros comerciais e localidades; 233 contactos com micro, pequenas e médias empresas, pequenos produtores agrícolas, pescadores; encontros e reuniões com 35 estruturas do movimento sindical e outras organizações representativas dos trabalhadores; encontros e reuniões com 180 instituições, incluindo do movimento associativo; 228 sessões, tribunas públicas, debates, conferências; contactos com 19 estruturas de reformados; visitas e contactos em 25 escolas e universidades; visitas a 45 outros locais (obras públicas, parques naturais, etc...). Para além desta contabilização, porque incluídos nos contactos com trabalhadores ou com a população, os deputados do PCP no PE estiveram com utentes e trabalhadores em 93 hospitais, centros de saúde ou outras valências de saúde. Os deputados do PCP efectuaram mais de 517 intervenções em plenário, cerca de 525 perguntas escritas à Comissão Europeia e ao Conselho, 3076 declarações de voto; e assumiram a responsabilidade directa pelo acompanhamento de 71 relatórios – 8 deles como relatores – e 64 pareceres – 2 deles como relatores –, além de 25 resoluções; acção que é parte de uma intervenção intensa e dedicada e que se destaca igualmente de um ponto de vista qualitativo. Esta intervenção no PE articula-se ainda com um trabalho de cooperação com outros partidos comunistas, progressistas e de esquerda no âmbito do Grupo Confederal Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL) – A Esquerda no Parlamento Europeu.
O presente balanço não esgota todo o trabalho realizado pelos deputados do PCP no PE no mandato que agora termina, nem todas as inúmeras tomadas de posição assumidas e que, ao longo deste período, foram também sendo expressas em múltiplos artigos publicados em jornais e revistas, em entrevistas e outras declarações. Mas constitui-se como uma cabal demonstração do cumprimento dos compromissos assumidos, interligando a intervenção institucional com a luta dos trabalhadores e das populações, nas suas variadas expressões.
O trabalho desenvolvido pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu, além de evidenciar um firme combate às políticas de exploração e empobrecimento, aos constrangimentos que a UE impõe ao desenvolvimento e à soberania de Portugal, constitui também uma afirmação da necessidade e possibilidade de lutarmos pela concretização de uma Europa de cooperação, solidariedade, de progresso e justiça sociais, de paz e amizade entre povos e Estados soberanos.” (3).
(1) Recordava-se, por muitos outros, o artigo de António Barreto “Sonho de uma noite de inverno”, Público 20JAN24, com resposta no artigo de Agostinho Lopes “A salvação da pátria”, Expresso online, 27JAN24.
(2) E será que não fazem quase nada porque é quase impossível fazer alguma coisa no PE, como tenta justificar/explicar a Visão, 30MAI24, numa longa peça “Promessas Europeias. O choque com a realidade”. Segundo o seu autor, Filipe Luís, muitas das promessas dos candidatos não são compatíveis com as competências do PE. O que em parte é verdade e noutra, e em grande medida, uma forma de desvalorizar as potencialidades efectivas dos deputados, como o Balanço referido dos eleitos do PCP demonstra. Isto é, os candidatos até têm boas intenções na campanha mas em confronto com a “realidade do PE”, que desconhecem, nada podem fazer. Isto é, andam em campanha eleitoral a fazer pura demagogia eleitoral! E os seus partidos também desconhecem? Então o que andam lá a fazer há décadas? É pena que a Visão preocupada com a contradição “promessas eleitorais” versus “realidade do PE” não se tenha igualmente preocupado com o que andaram a fazer os 21 deputados portugueses entre 2019/2024, face ao que prometeram em 2019. Ou tenha reduzido tal a curtas referências de dois deputados!
(3) A 30ABR24, com a presença do Secretário-Geral do PCP Paulo Raimundo, os deputados do PCP tornaram público o Balanço do seu trabalho no mandato 2019/2024, que foi editado para distribuição na campanha eleitoral e está disponível em cdu.pt.