Opinião

A curva de Laffer

É ilusório prometer cortes de impostos sem falar primeiro na despesa pública. Contudo, desta – do seu nível e composição – nenhum dos três maiores partidos quer falar, exceto para prometer mais despesa em todas as frentes, o que augura mais impostos no futuro

Segundo consta, o economista Arthur Laffer desenhou-a em 1974 num guardanapo de um restaurante em Washington DC para ilustrar a relação entre a receita fiscal e as taxas de imposto. Desenhou uma espécie de parábola e o raciocínio era simples: se a taxa de imposto for zero, a arrecadação será naturalmente zero. A partir daí, quanto maior a taxa, maior será a receita. Mas quando a taxa chegar a um valor proibitivamente alto (por exemplo, 100% do rendimento), a cobrança será de novo zero pois ninguém trabalhará para aquecer. Logo, concluiu Laffer, a receita dos impostos atingirá um máximo algures para uma taxa intermédia – acima dessa taxa, é escusado tentar cobrar impostos mais altos pois a receita reduzir-se-á e, pelo contrário, o governo poderá mesmo ter um encaixe maior se reduzir as taxas de imposto. Que esta relação existe poucos duvidam, pois trata-se, na realidade, de uma singela consequência de um resultado matemático conhecido desde o século XVII (o teorema de Rolle, para os curiosos). A questão prática é saber em que ponto da curva uma dada economia se encontra e se esse conhecimento é suficiente para desenhar a política fiscal. Seja como for, não obstante a sua singeleza (ou talvez por ela), a curva de Laffer foi um pilar da política económica de Ronald Reagan e um argumento central da chamada supply-side economics.

Curiosamente, a lógica da curva de Laffer tem-se insinuado sub-repticiamente em muitos dos programas económicos presentes às eleições de 10 de março. Todos os partidos prometem corte de impostos. Contudo, para não serem acusados de irresponsabilidade fiscal (o mantra das “contas certas”), e porque prometem generosos aumentos da despesa, os partidos afirmam que a expansão da base fiscal (via maior atividade económica ou redução dos incentivos à evasão fiscal) compensará o corte das taxas e que, assim, a receita não diminuirá. Tal como se estivéssemos no ponto de bliss da curva de Laffer. A AD, por exemplo, afirma que o prometido corte de impostos no valor de 5 mil milhões de euros (2% do PIB) se pagará a si próprio.

Existem vários problemas com este tipo de raciocínio. O primeiro é que, não obstante a curva de Laffer ser plausível intelectualmente e provavelmente verdadeira para impostos de base muito estreita, não existe qualquer evidência, para nenhum país desenvolvido, de que as taxas de imposto de base ampla como o IRS excedam o máximo da curva. Em segundo lugar, o desenho da política fiscal deve levar em conta que uma redução de impostos pode ser justificada por motivos de eficiência ou equidade, mesmo que se traduza em perda de receita. Um bom exemplo é a progressividade do IRC que penaliza o necessário crescimento das empresas nacionais. Finalmente, convém recordar para que servem os impostos. Os impostos existem para financiar a despesa dos estados. Desde modo, é o peso da despesa pública que ultimamente determina a carga fiscal. Ou seja, é ilusório discutir cortes de impostos sem falar primeiro na despesa. Contudo, desta - do seu nível e composição - nenhum dos três maiores partidos quer falar, exceto para prometer aumentos em todas as frentes. E estes, com ou sem Laffer, apenas auguram mais impostos no futuro.