Opinião

Costa, o indignado

Fosse a indignação de António Costa com o estado da educação proporcional à sua indignação com cartazes e passaria, de uma vez por todas, das promessas à ação, dos slogans de algibeira às medidas que a comunidade escolar há muito reclama

Este 10 de Junho foi passado a discutir os cartazes com que o primeiro-ministro foi recebido em Peso de Régua. Aparentemente, António Costa ficou muito indignado com os ditos por considerar que foi vítima de um ataque racista.

É lamentável e, acima de tudo, muito perigoso que um chefe de Governo recorra a um argumento tão falacioso para justificar o seu descontentamento ou como forma de desviar a atenção das questões que verdadeiramente interessam aos portugueses, ainda para mais na data em que se celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Com esta indignação de António Costa - useiro e vezeiro neste tipo de reações e expedientes, basta recordarmo-nos do episódio com Assunção Cristas num debate parlamentar - e com o subsequente debate sobre se os cartazes eram ou não de índole racista, foram ocupadas horas e horas de emissões televisivas, foram incontáveis as notícias de outros órgãos de comunicação social, inúmeras as publicações nas redes sociais a escalpelizar os desenhos e desviados os focos dos temas que realmente impactam na vida das pessoas.

Toda a discussão foi completamente estéril. Não obstante o eventual mau gosto daquelas cartolinas, foi muito conveniente ao primeiro-ministro apontar noutra direção, com o intuito de disfarçar que na questão das carreiras dos professores, como em tantas outras, continua a ser incapaz de resolver os problemas do país. Oito anos depois de tudo o que prometeu, das expectativas que criou e das maratonas negociais. Nem uma maioria absoluta lhe chega.

No caso concreto da educação, o descalabro é evidente. Continuamos a ter alunos sem aulas por falta de professores e há quatro anos letivos que se verificam disrupções no funcionamento das escolas, ora por causa da pandemia, ora porque as aprendizagens não foram recuperadas, ora por causa das greves dos docentes.

Há várias evidências de que as perturbações no funcionamento das escolas têm consequências para a aprendizagem das crianças, assim como para o seu bem-estar emocional e psicológico. Sabemos que pais e alunos sofrem diariamente com este problema, que interfere direta e profundamente na vida das famílias e no desenvolvimento das crianças e jovens. Mas, convenhamos, o que interessam essas questiúnculas quando comparadas a uns cartazes que ofendem o nosso primeiro-ministro?

A escassez de professores é um dos maiores desafios que temos pela frente, uma vez que já não se conseguem repor os números de efetivos que saem para a reforma e o recrutamento é cada vez mais difícil porque a carreira docente não é atrativa. Poucos são os que arriscam enveredar por essa profissão porque o desgaste é elevado, a compensação financeira é curta e nunca sabem em que ponto do país podem ser colocados. Mas o que interessa esse problema estrutural quando comparado a uns cartazes que ofendem o nosso primeiro-ministro?

Portugal já vai em oito longos anos com António Costa ao leme. Oito anos de proclamações e juras de amor à escola pública. Oito anos de declarações vãs sobre delegação de competências. Oito anos de verborreia sobre investimento feito e a fazer, mas só isso. Propaganda, propaganda, propaganda, que só serviu para “anestesiar” a esquerda à esquerda do PS, que não quer saber dos problemas da escola, mesmo que feita num oito, desde que continue a dizer que ela é pública. Mas o que interessa tudo isso quando comparado com uns cartazes que ofendem o nosso primeiro-ministro?

Deixemo-nos de desculpas. Quem gritava pela defesa da escola pública é quem a tem negligenciado, condenado à mediocridade e conduzido a este desfecho. A educação, como motor do elevador social, não pode continuar refém das negociações infrutíferas entre este Governo e os professores. Uns e outros estão a prejudicar os alunos, sobretudo os que não têm alternativa. Aqueles que mais precisam da escola para subir na vida, aqueles cujos pais não podem pagar um estabelecimento privado ou explicações que compensem as falhas da escola pública.

Essa devia ser a principal preocupação de António Costa, do ministro da Educação e do ministro das Finanças. Só que o primeiro-ministro assiste impávido e sereno a este curso de degradação da educação enquanto se indigna, seletiva e taticamente, com umas ilustrações de que amanhã ninguém se lembrará.

Fosse a indignação de António Costa com o estado da educação proporcional à sua indignação com cartazes e passaria, de uma vez por todas, das promessas à ação, dos slogans de algibeira às medidas que a comunidade escolar há muito reclama. Só espero que este repto e ter falado um bocado do país que não se vê das janelas de S. Bento não ofenda, uma vez mais, o primeiro-ministro.