Foi no início de 2019 que soubemos que Lisboa receberia a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e tenho a certeza de que todos nos lembramos daquele momento televisivo em que o Presidente da República celebrou entusiasticamente a notícia, com aquele tão célebre quanto embaraçoso “Conseguimos! Conseguimos, Portugal, Lisboa! Esperávamos, desejávamos, conseguimos! vitória!”.
No entanto, apenas em Novembro de 2022 foi assinado o memorando de entendimento entre o Governo e as autarquias de Lisboa e Loures e só por essa altura soubemos que, afinal, Oeiras também receberia um dos eventos no âmbito da JMJ.
Meio ano depois, a escassos dois meses do início do maior evento realizado no nosso país nos últimos anos - estima-se que mais de 1,5 milhões de pessoas se desloquem a Portugal, sobrecarregando três concelhos diferentes - e continua tudo por fazer. E “tudo por fazer” não é hipérbole, é a realidade.
Sempre fui muito crítica do apoio financeiro de um Estado laico a um evento desta natureza. Falamos de um orçamento de 80 milhões de euros, repartidos entre administração central e autarquias, para ajudar a custear uma iniciativa religiosa, sem que, neste momento, se conheça qualquer estudo, relatório ou um mero dado empírico que demonstre ou consiga estimar o retorno que o dito investimento, supostamente, trará ao país.
Além desse avultado investimento alicerçado num acto de fé, continuamos a enfrentar várias incógnitas a menos de dois meses da JMJ. Continuamos sem conhecer os planos de mobilidade e de segurança e o de contingência, elaborado pelo Ministério da Saúde, só foi divulgado esta semana.
Estão em causa documentos estruturais para a organização do evento, para a coordenação de todas as equipas envolvidas, para a articulação exigível às autarquias têm de fazer entre si e também com as respectivas equipas que coordenam, as quais, por sua vez, têm de ser coordenadas com as restantes. Incompreensivelmente, as autarquias nada sabem. Continuam às escuras. E nada têm para transmitir às entidades com as quais vão ter de operar.
Como é possível não sabermos como se vão deslocar 1,5 milhões de pessoas para o país e depois entre três locais diferentes? Como se justifica que um plano que era suposto ter sido apresentado em Fevereiro, e depois em Março, só vá ser do conhecimento público, espera-se, a 15 dias do arranque da JMJ?
Como é possível não se conhecer ainda o plano de segurança, que incluirá aspectos tão importantes como o controlo fronteiriço e o policiamento, protocolos em caso de ameaças de diversas naturezas ou os percursos de emergência médica e de evacuação para 1,5 milhões de pessoas? Mais: tudo isto numa altura de risco máximo de incêndios em que (esperemos que não) podemos ter várias equipas mobilizadas para esse combate.
E quanto ao plano de saúde, conhecido apenas segunda-feira, sabemos que vão ser instalados dois hospitais de campanha que contarão com centenas de voluntários, entre médicos, enfermeiros e finalistas das diferentes áreas de saúde. Parece que por milagre os nossos problemas no sector da saúde desapareceram e, subitamente, surgiram centenas de profissionais disponíveis...
A pequenez de quem nos governa, do poder central às autarquias, é gritante. À medida que se verifica um regozijo inexplicável pela realização do evento também se torna flagrante a impreparação e a incapacidade do Estado para o organizar. Estes 80 milhões de euros poderiam ter sido investidos em algo que fizesse a diferença na vida das pessoas. Existiriam, seguramente, muitas formas, mais católicas até, de o fazer. Só que isso, Portugal, Lisboa, esperávamos, desejávamos, mas não conseguimos.