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Opinião

A roleta americana

Olhando para os republicanos, talvez seja bom a Europa pensar se quer pôr todas as fichas na aliança com um país que se pode encaminhar para uma assustadora contrarrevolução ou se chegou a altura de se emancipar

Publicado poucos meses antes da vitória de Trump, em 2016, “Hillbilly Elegy” é o retrato da América deixada para trás pela desindustrialização que chegou com a globalização. Acompanhando o crescimento do seu autor num dos estados em decadência do “Rust Belt”, uma região que se revelaria a chave nessa noite eleitoral, o livro é importante para compreender o apelo de Trump em estados operários e democratas. O seu autor, J.D. Vance, venceu esta semana as primárias no Ohio e será um dos candidatos republicanos ao Senado. O apoio que recebeu de Trump, que continua a fazer e desfazer carreiras de políticos republicanos, revelou-se decisivo. A evolução política de J.D. Vance, um conservador moderado e crítico de Trump, quando o livro foi publicado, que agora fez uma campanha histriónica contra a imigração e o aborto, é sintomática da transformação de um dos dois maiores partidos norte-americanos num movimento radical alicerçado em teorias de conspiração e numa ideologia que despreza a ciência e promove valores sociais do século XIX. Na base, metade dos eleitores republicanos acredita que os dirigentes democratas estão envolvidos em redes de tráfico sexual de crianças. No topo, quem não defende acriticamente um programa assente na diminuição de direitos de imigrantes, sindicatos, mulheres ou homossexuais não consegue lugar entre os republicanos. Não há espaço para o meio termo, para a ponderação e para a dúvida. O culto exige devoção total.