Opinião

O problema será com a polícia ou com a autoridade?

Deitar fora a masculinidade com o machismo é um erro. Confundir a autoridade com o autoritarismo é um erro. Quando um polícia usa para o mal a sua autoridade, isso sim é brutalidade e autoritarismo. Julie Machado, mestre em Teologia, defende que se um polícia usa a sua autoridade para o bem, para proteger, para defender, isso é a sua função, e não se pode confundir com autoritarismo

No nosso tempo, aprecia-se muito a fluidez na biologia e na construção social. Para algumas coisas é ótimo haver tantas opções e flexibilidade, como nas classes sociais por exemplo. Já não existe o fatalismo da aristocracia, quando se nasce pobre ou se nasce rico pode mudar-se ao longo da vida. Enquanto a literatura “victoriana” inglesa revolvia sobre o estigma de ser de família pobre e não se poder casar com alguém de família nobre, os princípios fundacionais dos Estados Unidos vieram proclamar o “self-made man”. Com o trabalho e o esforço, uma pessoa pode auto-determinar como será a sua vida em termos materiais, financeiros e sociais.

No nosso tempo também é apreciada a fluidez na biologia. Já não se nasce homem ou mulher. É fluido. É socialmente construído. Mesmo que se nasça com um sexo, pode-se auto-determinar e mudar para um dos vinte sexos que existem nas opções do Facebook. Não interessa se a combinação dos cromossomas sexuais de uma pessoa é de facto “XX” ou “XY”.

De modo semelhante, não existem características mais masculinas, que podem estar presentes em mulheres mas tendem a estar mais presentes em homens, nem vice versa. A nossa era gosta de inverter as características femininas e masculinas nas pessoas. As mulheres que são mais dedicadas ao trabalho profissional, que sobem mais na carreira, que fazem desportos mais radicais ou que são ambiciosas e contundentes são mais apreciadas. Os homens que são mais sensíveis, que se dedicam mais ao cuidado da casa ou de crianças ou que falam mais suavemente são mais apreciados. Isto não tem problema nenhum. Ainda bem que há mais flexibilidade e fluidez de papéis de homem e de mulher no mundo profissional e familiar.

O problema surge quando há descriminação ou até violência contra os homens que demonstram atributos mais naturalmente masculinos e vice versa. Uma mulher que seja mais cuidadora ou que se queira dedicar ao lar e aos filhos? De bradar aos céus. Retrógrada. Ignorante. Oprimida. Um homem que seja mais assertivo e vigoroso? Machista, autoritário e tóxico.

Entrou na moda o conceito de “masculinidade tóxica”. Todos os programas de televisão caracterizam o homem sensível e cuidador como bom e os restantes são inúteis ou atrapalham. Homer Simpson, Modern Family, etc. É verdade que existiu opressão da mulher no passado e ainda existe em menor grau hoje em dia, o chamado machismo. Mas deitar fora a masculinidade com o machismo é um erro.

O mesmo parece acontecer com a autoridade. Existiu no passado e ainda em menor grau hoje em dia o “autoritarismo”, que é um abuso da autoridade. Mas deitar fora a autoridade com o autoritarismo é um erro, pois a autoridade é boa e precisamos dela.

Poderá esta alergia à autoridade, confundindo-a com autoritarismo, e “masculinidade tóxica”, estar na base da descriminação e até violência contra a polícia? Já existente antes, o movimento anti-polícia foi agravado com a morte de George Floyd, que fez disparar manifestações violentas durante todo o verão do ano passado nos Estados Unidos. Gritavam - “não financiem a polícia” e via-se muitos cidadãos a atacar agentes. Entre as muitas reinvindicações que se ouviram, para além de deixar de financiar a polícia, sugeriram que esta devia usar menos força física e ser treinada mais em psicologia e falar mais com as pessoas, para evitar o uso da força.

Em Abril, também os noticiários se incendiaram quando um polícia deu quatro tiros e matou uma adolescente de 16 anos. Não interessava se esta tinha uma faca na mão e estava a esfaquear outra adolescente à sua frente. Um jogador de basquetebol, Lebron James, postou no Twitter a foto deste agente com a ameaça “serás o seguinte”, referindo-se à condenação do polícia que tinha morto George Floyd. Depois de muitas críticas, Lebron apagou o tweet.

Tenho visto a polícia em Lisboa a fazer um esforço notável para tentar agradar ao público. Em vários parques e festivais, a GNR deixa crianças darem festinhas nos cavalos e a banda sinfónica da PSP actua. Ouvi um agente da autoridade tocar “New York, New York” de Frank Sinatra ao piano e outro cantar ópera. Cantava muito bem.

No entanto, o trabalho principal de um polícia será cantar ópera ou ter uma conversa de psicólogo? Se sim, de quem é o trabalho de parar, usando força física, uma jovem prestes a matar outra, ou tantos outros casos?

Há muitas mulheres-polícia e ainda bem. As mulheres-polícia são frequentemente fotografadas para publicidade da polícia. Mesmo assim, homens são maioritariamente quem escolhe a profissão de polícia. O mesmo acontece com outras profissões que requerem muita energia e forca física, como forças militares por exemplo. Quando um homem usa a sua força física ou outra característica mais naturalmente masculina para o mal, é claro que é machismo ou abuso. Mas se um homem usa o mesmo para o bem, para proteger, para defender, não se pode confundir isso com “masculinidade tóxica”. Do mesmo modo, quando um polícia usa para o mal a sua autoridade, isso sim é brutalidade e autoritarismo.

Se um polícia usa a sua autoridade para o bem, para proteger, para defender, isso é a sua função e não se pode confundir com autoritarismo. O polícia que usou quatro tiros para parar a adolescente que não largou a faca, como deveria de ter feito na presença do polícia, e assim a vida da outra adolescente foi salva, estudou e treinou esse protocolo quando se formou como polícia.

Na Bélgica, em 2019, houve uma ameaça de bomba no centro de Bruxelas. A cidade inteira foi evacuada e quem entrou foi a equipa especial de intervenção da polícia. É uma missão muito específica de enfrentar o perigo em benefício dos outros.

Eles estão dispostos a arriscar a sua vida para nos proteger e defender. O mínimo que podemos fazer é respeitar o seu trabalho profissional e autoridade. Deixem os homens ser homens, as mulheres ser mulheres, as crianças ser crianças e os polícias ser polícias.