Há dias, escrevi neste espaço que as presidenciais constituem um grande desafio para a direita. Num cenário de fragilidade dos seus partidos tradicionais, PSD e CDS, muitos eleitores do espaço da direita democrática (democratas-cristãos; liberais; conservadores; e, fenómeno português, sociais-democratas) estarão a desviar as suas intenções de voto para o Chega, um partido de protesto, liderado por um populista, e que integra elementos não democráticos, radicalizados, e de extrema-direita. No curto prazo, e com PSD e CDS impotentes para travar esta erosão preocupante, Marcelo Rebelo de Sousa, com as suas qualidades e defeitos, é o único com capacidade para fixar o eleitorado da direita democrática, isto até que novas propostas assumam a renovação deste espaço político.
Sendo as próximas presidenciais fundamentais para a direita, não o serão menos para a esquerda. Desde 1976, ano das primeiras presidenciais em democracia, a esquerda “ocupou” a presidência da república por 26 anos, entre 1980 e 2006 (o general Ramalho Eanes não concorreu ao seu primeiro mandato -1976 - como um candidato da esquerda, ao contrário do que aconteceria no segundo, em 1980. Em 1976, Ramalho Eanes foi sobretudo o candidato anti PREC e de todos os partidos democráticos, tanto de direita, quanto de esquerda).
Com a eleição de Cavaco Silva, o candidato apoiado pela direita venceu pela primeira vez uma eleição presidencial, situação que se repetiu em 2011, com a sua reeleição e, depois, com Marcelo Rebelo de Sousa (2016). Ou seja, caso o atual presidente confirme que é candidato (o único cenário admissível) e vença as eleições, a presidência da República será ocupada por 20 anos (2006-2026) por um homem público oriundo do espaço da direita.
Este é um cenário provável, mas que os três principais candidatos de esquerda pretendem contrariar. E são todos bons candidatos. Ana Gomes é uma mulher preparada, com notoriedade, e que dá garantias de uma campanha com elevação. Tem, contudo, demasiados anticorpos, a começar pelo seu partido, e é conotada quase exclusivamente com o combate à corrupção, uma causa nuclear, mas que não esgota o debate político. Aliás, o combate à corrupção não é de direita nem de esquerda, e devia ser uma causa de todos os cidadãos.
Ana Gomes é uma diplomata de carreira. Tem, por certo, ideias consistentes sobre política internacional, área em que o presidente da República pode e deve desempenhar um papel crucial. Seria bom que abordasse este e outros temas importantes. A sua candidatura só pode beneficiar se conseguir ser mais abrangente e menos crispada, de forma a atenuar a imagem de “justiceira”, uma espécie de contraponto (salvaguardando as diferenças da convicção de ambos) de André Ventura.
Marisa Matias também é uma candidata forte. É consistente e empática, e destoa do estilo fraturante, radical e demagógico, que foi marca do Bloco de Esquerda durante muitos anos. Contudo, a sua candidatura não deixa de ser partidária, com o objetivo de fixar eleitorado. Um debate televisivo entre Ana Gomes e Marisa Matias pode resultar numa conversa interessante, mas será sempre um “não debate”. As candidatas são quase gémeas, embora com estilos diferentes. Acredito que não estejam formalmente concertadas, mas não deixarão de o estar implicitamente. Se, com o aproximar das eleições, as intenções de voto de Marisa Matias estiverem abaixo da última votação do BE, penso que esta acabará por desistir para Ana Gomes. No fundo, o BE acabaria por fazer o mesmo que o seu rival PCP: apresentar um candidato presidencial apenas para fixar eleitorado.
Por sua vez, a candidatura de João Ferreira é uma escolha inteligente do PCP. Embora não se desvie da cartilha comunista, este tem um discurso menos passadista, mais cosmopolita e, também, capacidade para seduzir algum eleitorado fora dos muros do seu partido. Prova disto
foi o apoio imediato, e sem justificação política que se entenda, da deputada socialista Isabel Moreira. Muitas vezes, os fatores emotivos e não racionais escapam à análise dos fenómenos políticos.
Na apresentação da sua candidatura, João Ferreira piscou o olho ao eleitorado não comunista, e referiu não estar preocupado com percentagens ou resultados eleitorais. No ar, fica a dúvida se esta é uma candidatura para levar até ao fim, ou apenas para aproveitar tempo de antena, a exemplo do que aconteceu no passado, quando alguns dos candidatos do PCP desistiam antes das eleições. Uma candidatura que, à partida, já sabe que vai desistir antes de ir a votos, não deixa de ser legal, mas é contrária às regras éticas da democracia.
Paradoxalmente, estas três candidaturas fortes de esquerda podem acabar por beneficiar Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo se agastado com a falta de assertividade do atual presidente, algum eleitorado do espaço da direita democrática tenderá a resistir à tentação de votar em André Ventura, isto de forma a evitar uma segunda volta. Estas são sempre momentos de polarização, com um dos candidatos a receber, genericamente, os votos da extrema-esquerda ao centro esquerda e, o outro, os do centro direita à extrema direita. Também, a candidatura de Ana Gomes poderá prejudicar o PS que, previsivelmente, e apesar do presidente estar agora a procurar marcar distâncias para o governo, acabará por manter-se oficialmente “neutro”, e beneficiar o Livre, que já declarou o seu apoio à antiga eurodeputada. Com o PS em silêncio, e BE e PCP com os seus candidatos, um bom resultado de Ana Gomes poderá significar uma segunda vida para o Livre, isto depois da eleição de Joacine Katar Moreira para a AR ter resultado numa vitória que se revelou perversamente amarga.
A existência de três candidaturas fortes à esquerda não é, pois, garantia de um desempenho positivo deste espaço político nas próximas presidenciais. Para além do mais, do outro lado terão dois opositores capazes de explorar, e cada um à sua maneira, as fragilidades de cada uma destas candidaturas. A partir de agora, a campanha e os debates ajudarão a perceber melhor as ideias e a preparação dos candidatos que se apresentam a jogo. E umas eleições que se adivinhavam insípidas, podem afinal tornar-se interessantes. A democracia fica a ganhar com este novo cenário.