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Opinião

Morreu-se mais do tratamento que da doença

Tinha jurado a mim mesmo que não iria escrever sobre a pandemia, tal a hipérbole mediática que tem caracterizado este tema. Bem diz o povo que quem mais jura é quem mais mente, e o que me resta como consolo era ser esta uma jura para mim mesmo e não para outrem

Sabe-se à exaustão que esta é uma situação nova, que ninguém sabia bem como lidar com ela, que os nossos líderes políticos foram apanhados de surpresa, que naturalmente muitos erros teriam de ser feitos e uma aprendizagem necessariamente levada a cabo.

No entanto os sinais que recebo dos responsáveis máximos pelas decisões nacionais feitas com base na pandemia assustam-me. Assustam-me porque perceciono um fechamento político progressivo do governo e atitudes próprias de gente que sofre de stress pós-traumático: nervosas, incoerentes, a roçar o ataque de pânico, mas a tentar mostrar que estão em total controle.

Para agravar, um facto ‘eleitoralesco’: uma grande fatia dos eleitores do atual governo têm o seu rendimento garantido, dentro de toda a crise que atravessamos estão “confortáveis”, e pouco se importam com situações que passem por novos confinamentos e imposição de limitações à sociedade e à economia. É natural que os partidos políticos se preocupem com estes pobres coitados, os “confortáveis”. Que tudo rebente, desde que lhes passe ao lado, certo?

Bom, em minha opinião errado, muito errado. Não podemos voltar a confinar o país. Por muito medo que os ‘confortáveis’ tenham de apanharem o vírus, o resto da população também o tem, mas prefere não morrer à fome e ao medo. Se num primeiro instante o confinamento permitiu avaliar melhor a situação e preparar estruturas e processos de urgência para tratar dos problemas sanitários, não se percebe que perante a iminência de uma segunda vaga caminhemos na mesma direção.

A economia não aguenta, e se a economia não aguenta as empresas e as famílias não aguentarão (excepção feita aos “confortáveis”, claro). A ‘pipa de massa’ não resolverá tudo.

Mas, para além das questões económicas e sociais, restam as questões da saúde.

Tentarei ser muito objetivo, morreu-se provavelmente mais de ‘mortes colaterais da Covid-19’ que de mortes diretas da Covid-19.

O que quer isto dizer? De acordo com esta excelente peça jornalística de Mariana Almeida Nogueira, desde 16 de Março de 2020 até 2 de Agosto de 2020 (data do artigo referido), há cerca de mais 4327 mortes que em igual período em 2019, e que dessas mortes em excesso somente 40% são mortes directas derivadas da Covid-19, os restantes 60% (cerca de 2.600) são as ditas ‘mortes colaterais da Covid-19’. Citando os especialistas da Escola Nacional de Saúde Pública, “É possível que este aumento de mortalidade esteja associado a casos de doença crónica grave cuja investigação e tratamento possam ter sido adiados devido à pandemia de COVID-19, porque os doentes evitaram procurar os serviços, ou porque as listas de espera adiaram os diagnósticos e tratamentos para além do prazo em que poderiam ter sido efetivos”. Nada mais a acrescentar, aqui. O medo é uma força poderosa, e pouco controlável nas suas consequências.

Ou seja, morreu-se mais do tratamento (mesmo que preventivo) que da doença.

Veja-se, por exemplo, o seguinte gráfico referente à comparação da evolução de "Situações que exigiram transportes de emergência de janeiro a maio de 2017 a 2020” (19 junho 2020, Julian Perelman, - fonte). Houve quebras enormes em relação ao padrão histórico.

Para além da Covid-19 as pessoas continuaram iguais, com os mesmos problemas de saúde. É fácil de perceber as mortes em excesso.