Depois de dois dias de polémica, o Governo britânico veio esclarecer que os requerentes de asilo que se recusem a ser transferidos para o barco-hotel Bibby Stockholm podem perder os apoios estatais, disse o ministro da Imigração, Robert Jenrick, ao “Today”, da rádio BBC 4, esta quarta-feira. Neste momento, há cerca de 50 mil requerentes de asilo alojados em hotéis, em quartos pagos com dinheiro público, e o Governo do primeiro-ministro Rishi Sunak diz que a transferência de alguns destes requerentes para o barco é uma forma de reduzir os custos com hotéis, que está atualmente fixado em qualquer coisa como seis milhões de libras por dia (cerca de 6,9 milhões de euros). Além disso, várias vozes conservadoras têm vindo dizer que o facto de ser possível ficar à espera de uma decisão de asilo num quarto de hotel pago pelo Estado funciona como um chamariz de migrantes.
Não existem provas de que seja esse o caso, até porque quem está nos hotéis recebe cerca de nove libras por semana (10,45 euros) para roupa, medicamentos, carregamento de telemóvel e tudo mais que não for comida - já que essa é providenciada pelo hotel. Uma outra parte dos requerentes vive em prédios de habitação normais, em apartamentos arrendados pelo Governo que são obrigados a deixar vagos assim que consigam, ou não, autorização de residência. Agora, os que receberam as cartas de transferência e não aceitem mudar-se, correm o risco de perder este montante - e não é certo que outras represálias estejam previstas. Os advogados acreditam que os processos de asilo podem ser suspensos indefinidamente, por exemplo.
O primeiro grupo de requerentes de asilo foi transferido para o Bibby Stockholm em Portland, Dorset, na segunda-feira - mas muitos recusaram sair dos quartos nos hotéis onde agora vivem. “Se uma pessoa recusar o alojamento fornecido, neste barco por exemplo, consideraremos a remoção do seu apoio ao asilo e essa pessoa terá de encontrar os seus próprios meios de subsistência”, disse Jenrick. Um requerente de asilo, segundo a lei britânica, não pode trabalhar - e as multas para quem empregue uma pessoa sem papéis que comprovem a regularização do estatuto de refugiado também vão subir, é mais uma das medidas que visam diminuir os fatores de atratividade do Reino Unido, diz o Governo.
Este tipo de barco é usado para alojamento com alguma regularidade. Além de trabalhadores da construção civil em áreas mais remotas, milhares de refugiados ucranianos estiveram a viver vários meses em ferries adaptados, na Escócia e em França, e em cruzeiros, na Estónia. Jenrick também usou estes exemplos para dizer que “se é bom o suficiente para todas essas pessoas, então deve ser bom o suficiente para os migrantes”, reforçando que “ninguém está a ser deixado ao desamparo”, uma vez o barco tem “condições perfeitamente decentes”.
Os ativistas que se têm concentrado perto do porto de Portland não veem a realidade da mesma forma. Vários advogados na área dos direitos humanos, vêm relatando nas redes sociais o que os requerentes de asilo têm sentido com esta mudança.
Brian Dikoff tem descrito no Twitter as suas interações com pessoas que receberam os avisos de mudança. Alguns estão com medo da extrema-direita, cuja presença em locais identificados com futuros centros de alojamento de migrantes está bem documentada, e com medo das condições de segurança dentro do navio, alerta que também as autoridades sanitárias e os bombeiros já fizeram soar.
“A nossa preocupação, como advogados, é informar as pessoas que são transferidas sem aviso prévio, que estão com medo porque estão a ser tratados como bens amovíveis, que estão a ser transportados pelo país sem saberem bem para onde, que têm medo de ficar detidas num barco, sem acesso aos serviços públicos de que podem precisar”, escreveu esta quarta-feira, em resposta ao comentário do deputado conservador, Alex Chalk, que disse que os advogados deviam parar de “alardear as suas cores políticas”. Dikoff escreveu ainda que “se os direitos dos requerentes de asilo estão a ser violados, então os advogados vão levar o Governo ao tribunal, literalmente é para isso que ele serve”. A razão para a litigância, acrescentou ainda, “não é uma espécie de complô de vingança contra os conservadores, é só porque os nossos clientes consideram que os seus direitos estão a ser espezinhados”.
Um dos maiores problemas do Reino Unido, e também a razão pela qual os custos com o alojamento é tão elevado, é o enorme número de casos de asilo que estão por processar. Os números são do próprio Ministério do Interior: cerca de 160 mil pessoas esperam por decisões dos seus pedidos de proteção internacional, o que quer dizer que todas estas pessoas têm quartos ou apartamentos pagos pelos contribuintes, porque não podem ingressar no mercado de trabalho.