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Guerra no Médio Oriente

“Só queria ver outra coisa qualquer à minha volta”: Kariman é criadora de mundos virtuais que ajudam quem vive em Gaza a “fugir” uns minutos

Kariman al-Masharawi conseguiu sair de Gaza, 75 dias após o início da guerra, e acha que isso faz dela uma das pessoas mais sortudas do mundo. Durante a horrível fuga do norte para o sul, viu coisas que quis muito esquecer. Com o que aprendeu como designer de videojogos, criou ambientes virtuais imersivos com Inteligência Artificial, para ajudar quem vive em Gaza a “fugir”, ainda que só alguns minutos, da “destruição e morte que se vê em todo o lado”

Kariman al-Mashharawi, engenheira de Gaza que cria ambientes de realidade virtual imersiva para ajudar as pessoas em Gaza a experimentarem alguns minutos de paz e segurança

Kariman al-Mashharawi, 24 anos, é só a mais recente inventora da família al-Mashharawi. A irmã, Majd, desenvolveu uma fórmula para construir tijolos a partir de cinzas e detritos, os materiais que resultam dos bombardeamentos de prédios em Gaza, e tem uma empresa de painéis solares de dimensões reduzidas, transportáveis, baratos, especialmente pensados para locais onde a electricidade falta com frequência, como em Gaza e noutros campos de refugiados por todo o mundo.

Kariman está em Istanbul como finalista do prémio Mulheres na Tecnologia, organizado pela União para o Mediterrâneo. É nessa circunstância que o Expresso a entrevista.

É engenheira de software especializada em tecnologia imersiva aplicada a videojogos. O projeto que vem apresentar, “Belifye”, é produto direto das suas circunstâncias. Sempre rodeada de explosões, gritos, fome, impotência, prédios enegrecidos e desespero, Kariman decidiu usar as suas competências prévias como designer de ambientes para videojogos para desenvolver cenários virtuais que pudessem levar os habitantes de Gaza, ainda que só por uns minutos, para paisagens de calma e segurança.

Uma fuga quase impossível

Família extensa de engenheiros, professores, advogados, empresários, os al-Mashharawi viviam no bairro de Rifal, no Cidade de Gaza, a norte da Faixa, quando a guerra começou. Poucos dias depois da invasão da Faixa, o exército israelita começou a pedir aos residentes do norte que se dirigissem para as zonas seguras estabelecidas a sul, que haveria de se provar quase tão mortífero quanto o norte, mas a família al-Mashharawi ainda não sabia disso.

Tentaram sair uma primeira vez, como tinham sido instruídos a fazer pelo próprio exército israelita. A fuga durou poucas horas. Sem sítio onde dormir, os 70 membros da família voltaram para a casa e reuniram-se na maior e mais central de todas, a de Kariman.