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Guerra no Médio Oriente

Em Gaza, o stresse pós-traumático não chega a ser “pós”: “Cada vez vemos mais pessoas, a situação está a encurralá-las”

A saúde mental dos habitantes da Faixa de Gaza é objeto de estudo científico há muitos anos. O agravamento do trauma a cada guerra, com o bloqueio económico, a falta de emprego e de perspetivas fora do território, a insegurança permanente e a falta de acesso a cuidados de saúde que se antevejam mais prolongados ou complexos são algumas das razões que levam a que os estudos apontem para uma incidência de depressão na ordem dos 50% para os residentes na Cisjordânia e 71% entre os de Gaza. O Expresso falou com Cynthia Matildes, coordenadora de saúde mental no sul de Gaza, pelos Médicos Sem Fronteiras

Três meninas escrevem num quadro o que gostavam de fazer no futuro, mas terem objetivos e manterem a esperança. As atividades da MSF acontecem maioritariamente no sul de Gaza, junto de populações deslocadas
Mariam Abu Dagga

O trauma dos palestinianos é antigo, o termo clínico para esse tipo de trauma, ou pelo menos para grande parte dele, é “trauma geracional”, e talvez poucos outros povos no mundo estejam tão capacitados para entender os palestinianos como o povo judeu. É uma das realidades paradoxais que encontramos nesta guerra. “Os palestinianos são oprimidos, suprimidos e assassinados, controlados e roubados há muitas décadas. É esta a verdade”, disse recentemente, numa entrevista, Gabor Maté, judeu que perdeu os avós no Holocausto e que hoje estuda, como médico psiquiatra, os processos de trauma e luto em ambas as populações.

Mesmo excluindo as guerras entre palestinianos e israelitas dos últimos 20 anos, viver em Gaza nunca foi viver uma vida normal. Sair do território para trabalhar ou estudar deixou de ser objetivo para se tornar apenas sonho, e milhares viviam com doenças crónicas cujos sintomas poderiam ser aliviados com equipamentos médicos a que Israel impedia a entrada, receando que fossem transformados em lança-morteiros. Dos 2.1 milhões de residentes de Gaza antes da guerra, 67% são refugiados e 65% têm menos de 25 anos, segundo dados da revista científica “The Lancet”. Um estudo de 2020 mostra que 53% das crianças de Gaza tinham sintomas de stresse pós-traumático.