Guerra na Ucrânia

Trump chama à Rússia “tigre de papel” e diz que a Ucrânia pode recuperar todo o território conquistado por Moscovo

Depois de semanas a defender concessões a Moscovo, Donald Trump surpreendeu na Assembleia-Geral da ONU ao afirmar que Kiev pode recuperar todo o território perdido para a Rússia. Volodymyr Zelensky agradeceu a “inflexão radical” do Presidente norte-americano e garantiu: “Não podemos simplesmente trocar territórios”

Shannon Stapleton

Depois de ter defendido que Kiev deveria ceder parte do território à Rússia em troca de paz, Donald Trump mudou radicalmente de posição. Na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, esta terça-feira, o Presidente norte-americano afirmou que a Ucrânia “está em posição de lutar e recuperar toda a sua forma original”.

O Presidente abandonou a insistência para que a Ucrânia ceda terras para fechar um acordo de paz com a Rússia e, em vez disso, declarou que, com o apoio da Europa, Kiev está "em posição de lutar e conquistar toda a Ucrânia de volta à sua forma original".

Donald Trump não apresentou nenhuma justificação para a mudança de opinião, embora várias autoridades europeias suspeitem que, ao distanciar-se da guerra, o Presidente está a livrar-se de um conflito que tinha prometido resolver em dias ou semanas, segundo o "New York Times".

Na sua rede social, a Truth Social, Trump reforçou a mensagem: a Ucrânia “tem um grande espírito, cada vez mais forte” e “poderá recuperar o país na sua forma original e, quem sabe, talvez até ir além”. Acrescentou que “Putin e a Rússia estão com graves problemas económicos” e que este é o momento certo para Kiev agir.

A mudança de discurso de Trump foi também notada nos encontros paralelos em Nova Iorque. Ao lado de Emmanuel Macron, reforçou a ideia de que “a Ucrânia deve poder recuperar o seu território”. E, questionado sobre as recentes incursões de drones e aviões russos na Estónia e na Polónia, respondeu que os aliados da NATO deveriam abater qualquer aeronave que entre nos seus espaços aéreos.

Na intervenção perante a ONU, Trump admitiu ter acreditado que seria “mais fácil” alcançar a paz, dada a sua relação com Putin, mas garantiu estar preparado para impor “uma série muito forte de tarifas poderosas” se Moscovo não mostrar disponibilidade para negociar.

Zelensky agradece

Volodymyr Zelensky reagiu de imediato à mudança de postura e deixou palavras de agradecimento a Trump. Em entrevista à estação norte-americana Fox News, o chefe de Estado ucraniano sublinhou: “Acho que ele entende atualmente que não podemos simplesmente trocar territórios. Não é justo. Não é a realidade”. E acrescentou: “Que Deus o abençoe”.

O Presidente da Ucrânia destacou que mantém contactos regulares com Trump e atribuiu a inflexão ao facto de Vladimir Putin “lhe ter mentido repetidamente”. Revelou ainda ter pedido ao homólogo norte-americano que pressione países como a Índia e a China a reafirmarem o apoio à Ucrânia.

Zelensky reconheceu, porém, que o exército está numa “posição muito difícil”. Ainda assim, insistiu: “Estamos a sobreviver, mas não podemos perder. Caso contrário, perderemos a nossa independência”.

Quanto às eleições internas, rejeitou falta de vontade política, mas reiterou que só poderão ocorrer quando houver um cessar-fogo.

Rússia mostra as garras: país é um "urso verdadeiro"

A Rússia negou hoje que tenha sido um "tigre de papel" na sua ofensiva na Ucrânia, como alegou o Presidente norte-americano, garantindo que vai continuar a guerra no território ucraniano.

"A Rússia não é de forma alguma um tigre. A Rússia é geralmente associada a um urso. Não existem ursos de papel e a Rússia é um urso verdadeiro", disse o porta-voz presidencial russo, Dmitri Peskov, numa entrevista à rádio RBC.

"Continuamos a nossa operação militar especial para garantir os nossos interesses e alcançar os objetivos que (…) o Presidente do nosso país estabeleceu desde o início. Estamos a fazê-lo pelo presente e pelo futuro do nosso país, durante muitas gerações. Por isso, não temos outra alternativa", declarou o porta-voz russo.

A presidência russa afirmou que é um erro o Presidente norte-americano, Donald Trump, ter encorajado a Ucrânia a reconquistar territórios ocupados pelo exército russo.

“O facto de estarem a tentar por todos os meios encorajar a Ucrânia a continuar a ação militar... Esta tese de que a Ucrânia pode reconquistar algo é, na nossa opinião, errada”, afirmou o porta-voz presidencial russo, Dmitry Peskov, na sua conferência de imprensa diária.

O Kremlin reforçou, ainda, que não havia outra "alternativa" para a Rússia a não ser continuar a ofensiva contra a Ucrânia, que teve início em 2022. O porta-voz russo também confirmou que as tropas russas estão a avançar por todas as frentes na Ucrânia.

Críticas à Europa

Na sequência destas declarações, que constituem uma verdadeira volta de 180º, Trump deixou ainda críticas aos aliados europeus, apelando a que reduzam de forma imediata as compras de petróleo russo. A mensagem teve destinatários claros: Hungria e Eslováquia, países próximos de Moscovo e também próximos do próprio Trump.

Poucas horas depois, Ursula von der Leyen reagiu em sintonia. “Trump está absolutamente correto”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, lembrando que a União já cortou carvão e reduziu drasticamente o gás russo, mas que ainda entram importações de petróleo. Von der Leyen anunciou que Bruxelas está a preparar novas sanções sobre os portos de entrada e taxas adicionais sobre o crude ainda vendido ao continente.