A investida ucraniana na região russa de Kursk, o maior ataque transfronteiriço perpetrado por Kiev desde o início da guerra, tem forçado Moscovo a assumir uma posição essencialmente defensiva nos últimos dias, com a retirada de milhares de civis de Kursk e da região vizinha de Belgorod, áreas onde tem tido palco a retaliação, e a ocupação, por parte de Kiev, de 28 localidades russas, de acordo com o ‘The Kyiv Independent’.
A defesa deverá passar a ocupar uma maior dimensão dos esforços de guerra russos e, possivelmente, levará o Kremlin a redistribuir recursos militares, realocando equipamentos e efetivos do interior da Ucrânia para as linhas defensivas da fronteira, afirmou esta segunda-feira o Institute for the Study of War (ISW), citado pelo jornal ucraniano.
De acordo com o ‘think-tank’ norte-americano, a Rússia encarava, até agora, a fronteira com a Ucrânia como “uma linha da frente adormecida”, limitando-se a gastar “recursos consideráveis para construir fortificações” nesse perímetro em vez de conceber um plano de defesa ativa com a afetação de “pessoal e material necessários” para ocupar e salvaguardar essas áreas.
Após o início da incursão ucraniana em território russo, Moscovo enviou reforços para as regiões que têm sido palco de confrontos, mas ainda não conseguiu travar os esforços ofensivos das tropas de Kiev. Para o ISW, esta nova etapa do conflito irá “reduzir a flexibilidade de que a Rússia tem usufruído para destacar militares e equipamentos para os seus esforços ofensivos na Ucrânia”.
“O comando militar russo terá de considerar os requisitos de defesa das fronteiras ao determinar os recursos que pode atribuir a futuros esforços ofensivos e defensivos em grande escala na Ucrânia”, elaborou o ‘think-tank’.
A entrada da Ucrânia em Kursk foi descrita pelo Presidente da Ucrânia como “uma resposta justa” aos ataques russos lançados a partir daquele território. No passado sábado, no seu habitual discurso ao país, Volodymyr Zelensky disse que as forças russas terão realizado mais de dois mil ataques a Sumy, região vizinha de Kursk, só durante os meses de verão.
Depois de, em maio, ter rasgado uma nova frente de batalha em Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, chegou a temer-se que Moscovo tentasse levar a cabo uma operação semelhante em Sumy, mais a norte, de acordo com a BBC. Segundo a Al Jazeera, a Ucrânia terá retirado 20 mil pessoas da região à medida que os combates se intensificaram.
A ofensiva em solo russo vem romper com o recuo das forças ucranianas nas frentes nordeste e leste (em Kharkiv e no Donbass) nos últimos meses. Um alto responsável militar ucraniano declarou à AFP, sob condição de anonimato, que a investida ucraniana pretende “esticar as posições do inimigo, infligir o máximo de perdas, desestabilizar a situação na Rússia (...) e transferir a guerra para o território russo”.
Além de aliviar a pressão no Donbass, onde as tropas russas têm feito avanços constantes, a operação transfronteiriça de Kiev é também encarada como uma demonstração de força, à Rússia e aos aliados do ocidente, de que a Ucrânia “ainda é capaz de atacar com sucesso”, escreveu o ‘The Guardian’.
Esta segunda-feira, Vladimir Putin convocou uma reunião extraordinária focada na atual situação nas regiões fronteiriças, onde prometeu dar uma “resposta firme” à incursão de Kiev em território russo, segundo a Lusa, que cita a agência estatal Tass. O Presidente russo afirmou, ainda, que já não faz sentido manter conversações para um plano de paz com um Governo que “ataca civis”.
O chefe de Estado russo acusou Kiev de “executar a vontade dos ocidentais”, acrescentando que estes procuram “utilizar” os ucranianos para “melhorar a sua posição negocial [com a Rússia] no futuro”. Além disso, Putin considera que Kiev quer “semear a discórdia e a divisão” na sociedade russa.
Outras notícias que marcaram o dia:
⇒ Uma sondagem recente sugere que 44% dos ucranianos são favoráveis à realização de conversações de paz, o valor mais elevado desde o início da invasão russa, de acordo com a Al Jazeera. Em maio de 2023, apenas 23% da população ucraniana apoiava estas negociações, refletindo o otimismo derivado da retirada da Rússia de várias zonas-chave no final de 2022.
⇒ A Polónia assinou, esta segunda-feira, um acordo no valor de 1,13 mil milhões de euros para a produção de 46 lançadores do míssil antiaéreo Patriot, que deverão ser entregues ao exército polaco entre 2027 e 2029, de acordo com a Lusa. O país tem vindo a acelerar a modernização do seu exército desde o início da invasão russa, enquanto aliado da Ucrânia que é vizinho da Rússia. Este ano, deverá gastar mais de 4% do PIB em defesa, o dobro dos 2% exigidos pela NATO.
⇒ A China apelou a Kiev e Moscovo para “reduzirem a tensão” na sequência da entrada das tropas ucranianas em território russo na semana passada. Num comunicado divulgado no seu portal, e citado pela Lusa, a diplomacia chinesa fez três pedidos a “todas as partes”: “evitar a expansão do conflito”, “evitar a escalada militar” e “abster-se de atiçar as chamas do confronto”.