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Guerra na Ucrânia

Ucrânia: “A cultura é uma frente de batalha, uma luta pelos corações, mentes e almas das pessoas”. Reportagem em Lutsk

Na cidade de Lutsk, no noroeste da Ucrânia, teatros, museus e galerias esforçam-se para manter viva uma cultura que a Rússia diz não existir. Procurar o entretenimento e a evasão quando milhares de soldados sofrem nas linhas da frente para defender o território pode gerar, por vezes, sentimentos de culpa, mas, aos poucos, as pessoas que não participam diretamente no esforço de guerra estão a envolver-se nesta outra frente, a cultural. Dois anos e meio depois da primeira visita, o Expresso voltou a Lutsk para entender como esta cidade, pequena para os padrões ucranianos, está a contribuir para um renascimento da arte ucraniana

Ruslana Porytska, diretora do teatro Garmyder, em Lutsk, numa peça sobre histórias reais de pessoas que ajudaram a Ucrânia ao longo da sua longa luta contra o domínio da Rússia
Roman Dombrowskyi/ Garmyder

O Museu Korsak de Arte Contemporânea, em Lutsk, no oeste da Ucrânia, já não é um espaço de treino militar para civis. Nos primeiros dias da invasão russa, quando o Expresso visitou as instalações pela primeira vez, centenas de pessoas esperavam em filas para aprender a disparar uma metralhadora, montá-la e desmontá-la, enquanto na sala de cinema contígua enfermeiros ensinavam primeiros-socorros, reanimação de crianças e bebés e colocação de torniquetes. Não havia quadros nas paredes, esculturas ou instalações. Apenas uma ou outra peça, que pelo tamanho, peso ou demasiada fragilidade não tinham sido transportadas para outros locais, incluindo para os países vizinhos, quando a guerra começou.

Hoje, na sala de tijolo onde, nos primeiros dias de março de 2022, estavam apenas pendurados dois desenhos com as várias partes componentes de uma AK-47, está uma extensa coleção de pintura, escultura e objetos pessoais de Mykola Kumanovskyi, o mais importante pintor e artista plástico de Lutsk. Kumanovskyi é um grande orgulho para as pessoas de Lutsk. Nunca se juntou à vaga de pintores realistas soviéticos, nunca fez parte do partido. Um dos seus quadros mais famosos, “Rouxinol Ucraniano”, mostra um homem com roupas verde-exército encostado a uma árvore e alguns pássaros pousados nos ramos. Mas são pássaros de corda, o manípulo rotativo dos brinquedos antigos visível debaixo das asas, como se até para voar fosse preciso autorização. Um outro, “Tocar a lua”, mostra um homem num exército de funambulismo, durante o qual usa um ancinho para se equilibrar e conseguir tocar a lua. Metáforas para domínio soviético que, como tantas outras, na pintura, na literatura, no cinema, estão a ganhar novos significados, e a garantir novos públicos, desde fevereiro de 2022.