Guerra na Ucrânia

Papa pediu a Kiev que negociasse com Moscovo, aliados da Ucrânia criticam posição do Vaticano: 746.º dia de guerra

Este fim de semana ficou marcado pelas declarações do Papa Francisco numa entrevista à Rádio Televisão suíça que foram mal recebidas por Kiev e os seus aliados

Guglielmo Mangiapane/Reuters

Numa entrevista à televisão pública RTS transmitida no sábado, o Papa Francisco, questionado sobre a situação na Ucrânia, apelou a que não se tenha "vergonha de negociar antes que as coisas piorem".

"Acredito que os mais fortes são aqueles que veem a situação, pensam nas pessoas e têm coragem de levantar a bandeira branca e negociar", disse.

Após a divulgação da entrevista, a Santa Sé esclareceu que o Papa não estava a falar de rendição, mas sim de negociação.

A divulgação parcial da entrevista do Papa Francisco motivou reações de vários quadrantes, entre eles da própria Ucrânia: "A nossa bandeira é amarela e azul. Esta é a bandeira pela qual vivemos, morremos e triunfamos. Nunca levantaremos outras bandeiras", declarou o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, no X.

"Quando se trata da bandeira branca, conhecemos a estratégia do Vaticano na primeira parte do século XX. Apelo para que evitemos repetir os erros do passado e apoiemos a Ucrânia e o seu povo na sua luta pela vida", acrescentou, numa referência às acusações de silêncio da Santa Sé face às atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial.

No entanto, o chefe da diplomacia da Ucrânia disse esperar que Francisco "encontre a oportunidade de fazer uma visita canónica à Ucrânia".

A embaixada da Ucrânia junto do Vaticano respondeu hoje ao Papa que durante a Segunda Guerra Mundial "ninguém falou de negociações de paz com Hitler", depois de Francisco ter defendido conversações entre ucranianos e russos.

"É muito importante ser coerente! Quando falamos da Terceira Guerra Mundial, que estamos a viver, temos de aprender as lições da Segunda Guerra Mundial", escreveu a representação diplomática nas redes sociais, segundo a agência espanhola EFE.

"Nessa altura, alguém falou seriamente de negociações de paz com Hitler e da bandeira branca para o satisfazer? Então, a lição é só uma: se queremos acabar com a guerra, temos de fazer tudo o que pudermos para matar o Dragão!", acrescentou.

Aliados de Kiev criticam mensagem de Francisco

O ministro dos Negócios Estrangeiros polaco sugeriu, este domingo, ao Papa que encoraje Moscovo a retirar as suas tropas da Ucrânia, em resposta ao apelo de Francisco para "levantar a bandeira branca" e negociar.

"Que tal, para equilibrar, encorajar [o Presidente russo Vladimir] Putin a ter a coragem de retirar o seu exército da Ucrânia? A paz viria imediatamente, sem a necessidade de negociações", escreveu Radoslaw Sikorski numa mensagem na rede social X, acompanhada de um vídeo com as declarações do Papa, juntando-se a outras vozes críticas da proposta de Francisco.

O Presidente da Letónia, Edgards Rinkevics, também se referiu às palavras do pontífice, retiradas de uma entrevista à Rádio Televisão Suíça que será transmitida na íntegra no dia 20 e da qual alguns excertos foram publicados no sábado.

"Não devemos capitular diante do mal, devemos combatê-lo e derrotá-lo, para que o mal levante a bandeira branca e capitule", declarou o líder da Letónia, que, à semelhança dos outros estados bálticos, se encontra entre os principais parceiros de Kiev.

"Loucura russa deve perder a guerra", declara Zelensky

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declarou este domingo que "a loucura russa deve perder a guerra" afirmando que o seu país está a fazer todos os possíveis numa fase de dificuldades para conter os avanços militares russos.

"Quanto mais declarações insanas vierem de Moscovo, maior deverá ser a nossa força. Somente a nossa força na proteção de vidas e a nossa capacidade de alcançar os nossos objetivos podem devolver a Rússia a um estado de sobriedade pelo menos parcial", afirmou o líder ucraniano numa mensagem na rede Facebook.

Zelensky disse que "a loucura russa deve perder esta guerra", acrescentando: "Nós faremos todo o possível para isso".

A declaração do Presidente da Ucrânia surge numa fase em que a Rússia reclama avanços das suas forças no leste do país face às defesas ucranianas, que enfrentam dificuldades de armamento e de munições.

O exército russo anunciou ter tomado posições mais vantajosas nas últimas 24 horas nos sectores de Kupiansk, Donetsk e Avdiivka da linha da frente na Ucrânia, anunciou este domingo o Ministério da Defesa da Rússia.

"No sector de Kupiansk [região de Kharkiv], unidades do grupo militar Zapad (Oeste) melhoraram as suas posições na linha da frente", disse o comando russo nas redes sociais, citado pela agência espanhola EFE.

As mesmas unidades atacaram três brigadas mecanizadas do exército ucraniano nas localidades de Yampilivka e Serebrianka, na região de Donetsk, e Nevske, em Luhansk, segundo o ministério.

As forças do grupo militar Yuzhni (Sul) "ocuparam posições mais vantajosas nas proximidades das localidades de Verknekamenske, Sporne, Kurdiumikva e Novomikhilivka da região de Donetsk".

O ministério disse ainda que no sector de Avdiivka, "as unidades do grupo militar Tsentr (Centro) ocuparam posições mais vantajosas graças às suas ações coordenadas".

Após o fracasso da contraofensiva ucraniana, no verão, as forças russas tomaram a iniciativa com a tomada do reduto ucraniano de Avdiivka, numa altura em que a ajuda ocidental foi consideravelmente reduzida.

As autoridades ucranianas têm criticado as hesitações dos aliados ocidentais no fornecimento de armamento, designadamente por receio de que seja utilizado para atacar posições em território russo.

O Ministério da Defesa britânico disse hoje, com base numa avaliação dos serviços secretos, que as forças ucranianas estão a acelerar a construção de posições defensivas na linha da frente.

As forças ucranianas escavaram novas trincheiras e instalaram novos campos de minas e estruturas de defesa antitanque conhecidas como "dentes de dragão", filas de blocos de betão piramidais que bloqueiam a passagem dos tanques.

"A expansão das forças defensivas é muito suscetível de limitar a capacidade da Rússia de avançar ou de tirar partido das vantagens táticas geradas durante as suas operações ofensivas", segundo a avaliação, publicada nas redes sociais.

A inteligência militar britânica considerou que o estabelecimento de tais posições defensivas é indicativo do caráter de desgaste do conflito.

"Significa que qualquer tentativa (russa) de romper estas linhas será acompanhada de pesadas baixas", acrescentou o ministério, citado pela agência espanhola Europa Press.

As informações divulgadas pela Ucrânia e pela Rússia sobre o curso da guerra não podem ser verificadas de imediato de forma independente.