Guerra na Ucrânia

Zelensky não sabe se a guerra terminará em 2024, mas revela que recebeu proposta para mobilizar entre 450 a 500 mil cidadãos para combater

Sobre o que se tem vindo a passar no campo de batalha ao longo de 2023, o líder ucraniano acredita que “a Rússia não conseguiu atingir nenhum [objetivo] este ano”, destacando que o país vizinho não ocupou a Ucrânia. Volodymyr Zelensky dirigiu-se aos ucranianos e ao mundo, numa conferência de imprensa de final de ano que contou com a presença de vários jornalistas internacionais

EPA / SERGEY DOLZHENKO

Numa conferência de imprensa de final de ano, que decorreu esta terça-feira, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky reconheceu que a possibilidade de mobilizar mais cidadãos para a guerra é “um assunto muito sensível” e disse que as forças armadas propuseram a mobilização adicional de entre 450 a 500 mil pessoas.

“É uma questão de pessoas. É sobre a justiça, equidade, a capacidade de defesa e uma questão de financiamento. Preciso de detalhes. O que vai acontecer a um exército de um milhão de pessoas? O que vai acontecer às pessoas que já estão a defender o país há dois anos?”, questionou Zelensky.

O Presidente estima que a mobilização neste formato custasse 500 mil milhões de hryvnia ucranianas (cerca de 12 mil milhões de euros), e indica que espera uma resposta do primeiro-ministro e ministro das Finanças sobre como será obtido o montante necessário.

Olhando para o que se passou no campo de batalha ao longo de 2023, o líder ucraniano acredita que “a Rússia não conseguiu atingir nenhum [objetivo] este ano”, destacando que o país vizinho não ocupou a Ucrânia. E acrescentou: “não devíamos falar sobre qualquer derrota”. Em relação à construção de instalações fortificadas na linha da frente, Zelensky diz tratar-se de uma continuidade do trabalho desempenhado pelas administrações regionais. Observa, no entanto, a necessidade de uniformizar o nível de defesa. E nas respostas que deu reconheceu também limitações de equipamento, como a falta de munição adequada.

Questionado sobre o apoio do Ocidente, mostrou-se confiante de que os Estados Unidos vão manter o financiamento. “Estamos a trabalhar muito nisso e estou confiante de que os EUA não nos vão desiludir e que aquilo que concordámos vai ser cumprido na totalidade”, declarou.

Duração da guerra? “Ninguém tem a resposta”

“Sobre se a guerra vai acabar em 2024, acho que ninguém tem a resposta”, lançou Zelensky, acrescentando que “pensamentos e ideias podem ser diferentes da realidade”. O chefe de Estado ucraniano apontou que vitória, falha ou estagnação dependem de “vários fatores”. Mas em última instância remeteu para a resiliência da Ucrânia no processo e afirmou não estar pronto para perder o país.

“Sei que há muitos mais de nós, milhões como eu, que não estamos prontos para desistir, para deixar o nosso país. Desde o primeiro dia até ao último, é assim que as coisas vão acontecer: vamos manter os nossos objetivos, tudo aquilo de que somos capazes e em conjunto somos capazes de muito mais do que individualmente. Acho que somos capazes de tornar a vitória mais próxima”, descreveu. E respondeu de forma clara quando questionado sobre a possibilidade de haver o risco de a Ucrânia começar a perder a guerra: “não”.

Qual é a perceção de Zelensky sobre o significado de vitória? “Tenho de defender o nosso país, segundo a nossa constituição. Estou a falar de todo o nosso território, incluindo o território ocupado do Donbas e da Crimeia”, justifica. Zelensky reconhece que há divisões sobre o significado de vitória. No entanto, mostrou-se “cético” em relação à noção de que a Ucrânia já venceu por não ter sido destruída pela Rússia. “Acho que devemos continuar a lutar”, defendeu, questionando quem daria garantias de segurança à Ucrânia. “Quanto mais a Rússia recuar, mais fraca será. A começar pelo seu líder”, afirmou.

Zelensky afirma que não discutiu cessar-fogo com Viktor Orbán

Questionado sobre se o primeiro-ministro da Hungria já o pressionou a aceitar um armistício que inclua abdicar de território ocupado, respondeu negativamente. “Nunca falei com Viktor Orbán sobre um cessar-fogo com a Rússia, diálogo com Putin ou algo deste tipo. Nunca”, frisou. Zelensky comentou que as políticas de Orbán nem sempre são “muito amigáveis” para a Ucrânia, mas destacou que apesar dos desafios os países são “vizinhos”.

A guerra entre Israel e o Hamas também foi tema na conferência de imprensa. “É uma tragédia e um desafio para o Médio Oriente”, disse o Presidente ucraniano, reconhecendo que “não tem um impacto positivo para a Ucrânia”.

Perante um cenário em que Donald Trump seja eleito Presidente dos Estados Unidos, respondeu de forma mais generalizada. “Se as políticas do próximo Presidente, seja ele ou ela quem for, forem diferentes em relação à Ucrânia, mais frias, penso que esses sinais vão ter um impacto muito significativo no curso da guerra. É assim que o mundo funciona. Se um detalhe poderoso é deixado de fora, o mecanismo começa a quebrar”, comentou.

As relações com a Polónia foram também abordadas. Recorde-se que as empresas de transportes polacas bloquearam os quatro postos fronteiriços entre os dois países, o que impede a passagem de veículos pesados de mercadorias. “Desde abril até setembro foi realmente um desafio. Perdemos centenas de milhões de dólares”, lamentou Zelensky, descrevendo que o bloqueio “não foi correto”. Sem deixar de agradecer à Polónia pelo apoio à Ucrânia quanto à invasão, destacou que tem de “defender o interesse” do país “num tempo de guerra”.

Relativamente a uma possível entrada na NATO, Zelensky diz que a Ucrânia não está a ser convidada a aderir e afasta a possibilidade de uma adesão parcial.

Sobre receios de uma divisão da sociedade ucraniana no apoio à guerra e ao papel do próprio Zelensky como Presidente, o líder respondeu que as pessoas estão a observar o seu trabalho, escreveu o ‘The Guardian’. “Se não gostarem, é a sua escolha, a escolha dos ucranianos, é normal”, citou o jornal.

O Presidente da Ucrânia remete a responsabilidade do abrandar das trocas de prisioneiros com a Rússia, mas disse que estão a decorrer trabalhos no sentido de recuperar “um número significativo de pessoas”, noticiou ainda o jornal britânico.

De acordo com a BBC, Zelensky descreveu o último debate da fórmula de paz para a Ucrânia – que decorreu em outubro em Malta – como um sucesso, e indicou que o próximo decorrerá na Suíça. “Quando todos os países do mundo estiverem unidos em torno deste documento, podemos entregá-lo à Rússia”, disse. Um cenário que exclui na atualidade.