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Guerra na Ucrânia

China numa guerra por procuração? “O grande vencedor da guerra na Ucrânia, até agora, é claramente Pequim”

Há, no conflito na Ucrânia, mais geopolítica do que aquela que se pode ver? Alguns investigadores acreditam que sim, e fundamentam que a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia pode, afinal, esconder aqueles que são os dois grandes adversários: China e Estados Unidos. Pequim tem mais a ganhar do que a perder ao manter-se ao lado da Rússia, referem os analistas

Xi Jinping e Vladimir Putin
GRIGORY SYSOYEV

Michael Butler, professor de Ciência Política na Universidade de Clark, no Massachusetts, não endossa a teoria de alguns analistas, de que a guerra na Ucrânia é, na verdade, uma guerra por procuração dos Estados Unidos da América contra… a China. Mas não hesita em dizer, em declarações ao Expresso, que “o grande vencedor, até agora, é claramente Pequim”. O conflito, não só expôs “as deficiências militares da Rússia e tornou Moscovo mais dependente da China”, como “drenou economicamente os EUA” através dos maciços desembolsos de apoio à Ucrânia. Enfim, a China tem estado em cima do muro, a assistir ao “aumento do seu poder relativo”, certa de que a guerra lhe oferece uma oportunidade para projetar a sua influência num teatro de operações estrategicamente importante.

Com meias palavras - como sugerir, no plano de paz que propôs, a retirada de todas as sanções e o abandono da “mentalidade de Guerra Fria” - e com esforços modestos de diplomacia em relação a Kiev - como enviar o embaixador Li Hui à cimeira da Arábia Saudita -, a China tem sido omissa, ou, pelo menos, ambígua, em relação à guerra na Ucrânia. Mas os motivos para a aparente cumplicidade de Pequim com Moscovo vão além do conflito armado: alguns investigadores defendem que os líderes chineses acreditam num cenário em que a China venha também a ser alvo de sanções ocidentais.

“As sanções dos EUA contra a China são provavelmente inevitáveis, particularmente com a próxima eleição presidencial a apresentar-se como um referendo sobre quem vai endurecer a relação com a China”, admite Michael Butler. Mas a imposição de tais medidas implica custos, tanto para o remetente, quanto para o destinatário. As sanções contra a Rússia obrigaram a Europa a confrontar-se com o dilema da dependência energética face a Moscovo. A face ocidental do mundo continua, contudo, dependente de matérias-primas críticas provenientes da China, tais como componentes de baterias, que seriam grandes mais-valias para a transição verde. Como lembra Michael Butler, a China “é um gigante da economia mundial e provavelmente continuará a usar essa sua relevância como alavanca”. Por outras palavras, sanções contra interesses chineses representariam um grande potencial de “reação”, e é “improvável” que produzam o efeito desejado, mesmo que haja vontade política para que sejam aplicadas. Pequim estará a consciencializar-se disso mesmo. Xi Jinping está tão desperto para essa possibilidade que tenta proteger-se, recorrendo a muitos académicos e publicações chinesas. “É-lhes pedido que apresentem ideias de longo alcance para que o país permaneça resiliente diante de futuras crises, como a criação de instituições financeiras alternativas para negociação com entidades russas, dissociadas de instituições ocidentais”, observa em declarações ao Expresso Alicja Bachulska, do Conselho Europeu de Relações Internacionais.