Tentativa de golpe, sublevação militar, revolta corporativa ou, simplesmente, uma ardilosa encenação. O que quer que tenha acontecido na Rússia, no passado fim de semana, poderá ser melhor compreendido em função daquilo que seja o futuro do ministro russo da Defesa.
Se Sergey Shoigu cessar funções, ganhará força a tese de que tudo se tratou de um grito de revolta por parte do líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que acusava o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, de falta de apoio militar, “traição” a Putin e “genocídio do povo russo”.
Se continuar a merecer a confiança de Vladimir Putin, significará que o líder russo não cede à pressão de mercenários ou então que o gatilho para a avançada de Prigozhin na direção de Moscovo não teve propriamente a ver com Shoigu.
Esta segunda-feira, Shoigu viveu, aparentemente, um dia de trabalho normal, reaparecendo pela primeira vez em público desde os acontecimentos do fim de semana. Segundo uma nota divulgada pelo Ministério da Defesa da Federação Russa, o governante deslocou-se à “zona da operação militar especial” e inspecionou “um centro de controlo avançado do Grupo de Forças Oeste”.
Shoigu é ministro da Defesa desde 6 de novembro de 2012. A entrada para a liderança da instituição que tutela as Forças Armadas russas foi o último degrau de uma carreira política iniciada em inícios da década de 1990 e que fazem dele um nome forte na galeria de potenciais sucessores a Vladimir Putin no Kremlin.
Nascido a 21 de maio de 1955, na cidade de Chadan, na remota região de Tuva (sul), Sergey Kuzhugetovich Shoigu tem nos pais referências importantes para o percurso que haveria de trilhar.
O pai, Kuzhuget Shoigu, de etnia tuvana — um povo indígena turco-mongol oriundo da Sibéria que vive espalhado pela Rússia (região de Tuva), Mongólia e China — era editor num jornal e quadro do comité regional do Partido Comunista.
Traumas maternos às mãos dos nazis… na Ucrânia
A mãe vivera os primeiros anos de vida… na Ucrânia, mais concretamente em Kadievka, na região do Donbas (leste). Quando da sua morte, em 2011, a publicação “Tuva Online” publicou um obituário de Alexandra Shoigu realçando as experiências traumatizantes que viveu sob ocupação das forças alemãs, durante a “Grande Guerra Patriótica”.
É assim que, na Rússia, se designa o conflito do país contra a Alemanha Nazi, entre 1941 e 1945. “Para evitar ser transportada para a Alemanha como trabalho forçado, a jovem Alexandra passou longos meses escondida no sótão”, pode ler-se na “Tuva Online”.
Quando, hoje, Putin justifica a “operação militar especial” na Ucrânia com o intuito de “desnazificar” o regime de Kiev, Shoigu terá como referência longínqua a experiência da mãe.
O ano de 1977 é um marco na vida de Sergey Shoigu. Formou-se em Engenharia de Construção, no Instituto Politécnico de Krasnoyarsk (oeste da Sibéria), e deu os primeiros passos na política, aderindo ao Partido Comunista da União Soviética.
Ali se manteve, como um fiel militante, até à queda em desgraça do partido, em 1991, após a desintegração da União Soviética e a ilegalização da formação política.
Entre 1991 e 1995 assumiu-se como independente, entre 1995 e 2001 ajudou a fundar duas formações políticas (Nossa Casa – Rússia e Unidade), que se foram fundindo noutros partidos.
Em 2001, contribuiu para a criação da Rússia Unida, o partido que hoje domina a política russa, controlando 136 dos 178 assentos do Conselho da Federação (câmara alta do Parlamento russo) e 325 dos 450 lugares da Duma (câmara baixa).
A Rússia Unida é um partido leal a Putin e é liderado pelo ex-Presidente russo Dmitry Medvedev, atualmente um dos mais vocais defensores de Putin e da guerra na Ucrânia. Quando Sergey Shoigu se tornou ministro da Defesa, há mais de dez anos, o Presidente era Putin e o primeiro-ministro Medvedev.
É, pois, na mais alta roda política da Federação Russa que Sergey Shoigu se movimenta há mais de 30 anos. Na sua escalada política, três momentos são particularmente relevantes:
- 1991 — A 17 de abril, iniciou funções como ministro para a Defesa Civil, Situações de Emergência e Eliminação das Consequências de Desastres Naturais, uma das pastas ‘presidenciais’ (como os da Defesa, Interior, Negócios Estrangeiros e Justiça), na dependência direta do Presidente. Ficou no cargo até transitar para a Defesa, onde se mantém até hoje.
- 2000 — Durante menos de meio ano, entre 10 de janeiro e 18 de maio, exerceu o cargo de vice-primeiro-ministro. À época, à frente do Governo russo, estava Vladimir Putin.
- 2012 — Entre 11 de maio e 6 de novembro, exerceu funções autárquicas, como governador da região de Moscovo.
A biografia de Sergey Shoigu detalha várias condecorações que recebeu, a mais alta das quais a de “Herói da Federação Russa”, atribuída em 1999, “pela coragem e heroísmo demonstrados no desempenho do dever militar em situações extremas”, era ele ministro das Situações de Emergência.
Porém, é muito escassa no que diz respeito à sua escalada na hierarquia militar. Hoje, o general Sergey Shoigu combina influência e longevidade. Se for retirado do palco do poder por exigência de um líder de um grupo de mercenários será um caso de estudo, na Rússia e em qualquer parte do mundo.