Guerra na Ucrânia

E agora? Quatro dúvidas que emergem com o recuo do grupo Wagner

Depois de avançar com uma coluna de veículos militares em direção a Moscovo, o grupo Wagner suspendeu a operação. Em causa está um acordo que contou com a Bielorrússia como intermediário. O desfecho das tensões das últimas 24 horas ainda está a gerar perguntas

Rostov-on-Don
STRINGER

Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner, anunciou na sexta-feira o início de uma rebelião contra o Ministério da Defesa da Rússia e uma coluna de veículos militares começou a dirigir-se para a cidade russa de Rostov, onde se localiza a sede do comando militar do sul da Rússia. Assumiu o controlo das instalações militares e não parou por aí. Este sábado as colunas militares continuaram estrada fora em direção a Moscovo. Até que Prigozhin deu ordens aos mercenários para recuarem. Segundo o serviço de imprensa do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, o líder do grupo Wagner terá concordado em suspender a marcha e ajudar num apaziguamento do conflito.

Entre avanços e recuos, há perguntas que persistem sobre como vai terminar a tensão entre as Forças Armadas oficiais e a organização paramilitar.

Para onde vai recuar o grupo Wagner?

Yevgeny Prigozhin aceitou suspender a marcha da rebelião contra o comando militar russo. O líder do grupo Wagner terá divulgado um áudio em que confirma ter aceite um acordo quando se encontravam, nas suas palavras, a cerca de 200 quilómetros de distância de Moscovo. “Agora, chegou a hora em que o sangue russo pode ser derramado. E, por isso, compreendemos a responsabilidade por este derramamento de sangue russo numa das partes e vamos organizar-nos e regressar aos acampamentos de acordo com o plano”, disse.

No entanto, não especifica a que bases vão regressar. Note-se que Rostov é um dos principais centros logísticos da Rússia para a invasão na Ucrânia e a região que a rodeia é um centro importante de petróleo, gás e cereais. Segundo a Reuters, os portos do rio Don servem de ligação para os navios que transportam cereais pelo mar Azov, e há vários gasodutos e oleodutos a atravessar a região.

Kevin Rothrock, analista do site noticioso independente Medusa, relata que os soldados do grupo Wagner estão a sair de Rostov.

Segundo a Sky News, o porta-voz do Kremlin disse que ao abrigo do acordo alcançado, Prigozhin vai mudar-se para a Bielorrússia e as acusações contra ele caíam, ficando a salvo da justiça – bem como os mercenários que comanda. E a BBC acrescenta que Dmitry Peskov disse que os mercenários que assim o desejem podem assinar um contrato com o ministério da Defesa.

Que imagem fica de Putin?

O cientista político Timothy Frye observa que independentemente do que se seguir, Prigozhin “expôs a fraqueza do regime e criou espaço para críticas sobre a forma como a guerra é conduzida e talvez até sobre porque começou”.

Na sexta-feira, Prigozhin criticou a guerra da Ucrânia, dizendo que o Ministério da Defesa da Rússia “está a tentar enganar a sociedade e o Presidente” quando contou que a Ucrânia pretendia atacar o território russo. O líder do grupo Wagner rejeita essa narrativa, dizendo que “a operação especial foi iniciada por um motivo diferente” e acusa o ministro da Defesa russo de pretender tornar-se marechal e receber honras militares. Após a tomada de Rostov pelo grupo paramilitar Wagner, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi crítico nas palavras: “Há muito que a Rússia utiliza a propaganda para mascarar a fraqueza e a estupidez do seu Governo”, disse. Mais tarde, apontou o desenrolar dos eventos do último dia como um sinal de falta de controlo. “Hoje, o mundo viu que os patrões da Rússia não controlam nada. De todo. Um caos completo. A completa ausência de previsibilidade”, comentou no Twitter.

O que fará Vladimir Putin ao ministro da Defesa e aos generais?

O grupo de bloggers pró-Putin “Russians with Attitude” expressou a sua visão ideal sobre o que se segue, o que incluiria a demissão do ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, o exílio de Prigozhin, a transformação do grupo Wagner e uma maior ação de Putin “contra generais incompetentes”.

Segundo a Presidência Bielorrussa, o acordo com o grupo Wagner deu-se depois de conversar com o Presidente russo para “abordar a situação no sul da Rússia” e de negociações que decorreram ao longo de sábado.

Antes de Moscovo dizer que iria ilibar Prigozhin de responsabilidades, o correspondente do “Financial Times” em Moscovo destacou no Twitter a ausência de comentários de Moscovo em relação ao acordo. “Que tipo de ‘garantias de segurança’ consegue Prigozhin, quando Putin disse que o mataria? E se Prigozhin conseguiu alguma coisa com o acordo, como a demissão de Shoigu – como é que Putin poderia concordar?”, questionou.

Já a analista política Jessica Berlin defendeu no Twitter que o desfecho da situação ainda não chegou, dizendo que Prigozhin sabe que é “um homem morto” a menos que saia da situação por cima “ou que caia a cabeça de alguém ainda mais do topo".

Como é que fica a moral do exército russo?

Anton Gerashchenko, porta-voz do Ministério da Administração Interna da Ucrânia, publicou no Twitter a mensagem de um militar russo (cuja origem não foi verificada pelo Expresso), que critica a atuação de Prigozhin dizendo que “desonrou” quem nele acreditou. “Vou-me tornar cada vez mais cínico e, provavelmente, nunca mais vou acreditar em nada”, diz a mensagem.

No entanto, também há sinais de apoio ao grupo Wagner. Dezenas de habitantes concentraram-se no sábado à noite, gritando “Wagner” em frente ao quartel-general militar de Rostov, cidade do sul da Rússia que foi esta madrugada capturada pelos mercenários de Yevgeny Prigozhin. Segundo relatos de um jornalista da agência AFP, que está no local, a rua principal de Rostov foi o ponto de encontro de muitos habitantes “que pegaram nos seus telemóveis para gravar vídeos dos combatentes do grupo paramilitar, enquanto os aplaudiam”.

Aproveitando a instabilidade no país invasor, o Presidente ucraniano deixou um aviso aos cidadãos russos: “quanto mais tempo as vossas tropas ficarem em território ucraniano, maior devastação trarão à Rússia”.