Guerra na Ucrânia

Depois do colapso da barragem, a central nuclear de Zaporíjia enfrenta outro risco: o reservatório auxiliar principal pode ruir

A destruição da barragem de Kakhovka deixa preocupações quanto ao arrefecimento dos reatores da central nuclear de Zaporíjia. O relatório de uma organização de segurança nuclear remete para um novo problema: o reservatório auxiliar principal pode ruir. Nesse cenário, podem ser usados camiões para o abastecimento de água. O investigador Rui Silva alerta que essas operações “são críticas e delicadas”.

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“Todas as margens de segurança que as centrais nucleares têm estão sob stress neste momento”. Esta é a avaliação feita pelo investigador Rui Silva, do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, por causa da situação da central nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia.

A barragem da central hidroelétrica de Kakhovka, próxima de Kherson, foi destruída por uma explosão na madrugada de terça-feira. Além de funcionar como fonte de água para consumo humano e rega de terrenos agrícolas, a água do reservatório serve para arrefecer os reatores da central nuclear de Zaporíjia.

A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) indicou na quinta-feira que a central nuclear continua a recorrer a água da barragem para refrigeração, apesar de o nível da água ter descido cerca de quatro metros para 12,7 metros. Em comunicado, a AIEA prevê que o bombeamento de água “provavelmente possa continuar mesmo que o nível desça para cerca de 11 metros ou possivelmente mais baixo”. São estimativas novas, dado que aos níveis atuais se esperava que as bombas de água já não funcionassem.

“Quando chegar abaixo desse valor, vai deixar de entrar água para arrefecer a central e será a primeira vez que acontece na história da energia nuclear que uma central nuclear fique sem a sua fonte fria de arrefecimento”, disse o investigador Rui Silva ao Expresso. No entanto, este não é o único risco que o sistema de arrefecimento da central enfrenta.

O ‘The Guardian’ noticiou uma avaliação do Instituto para a Proteção de Radiação e Segurança Nuclear (IRSN), com sede em Paris, que observa não haver risco da central ser inundada, mas que o reservatório auxiliar principal pode ruir com a descida do nível de água do lado de fora. A pressão interna da água contida no reservatório auxiliar pode levar ao colapso do dique circundante. É ainda apontada uma opção para o caso de a bacia de água ser danificada: podem ser usados camiões para abastecerem os restantes reservatórios com água.

O relatório indica que em testes de stress após o desastre de Fukushima, a empresa estatal de energia nuclear da Ucrânia estimava que o dique aguentasse “um nível de 10 metros do Dnipro em redor da planta nuclear” e que o nível da água e a bacia de retenção serão “monitorizados de perto nos próximos dias”. Com a quantidade de água atual, Rui Silva estima que o arrefecimento da central possa ser mantido durante cerca de seis meses. Um prazo temporal que baixa se houver rotura do depósito.

Silva explica que atualmente são necessários cerca de mil metros cúbicos por hora para arrefecer os cinco reatores que já foram desligados há vários meses e o combustível usado que se encontra nas piscinas dentro da zona da central. Mesmo depois do combustível ser retirado dos reatores, continua a ser necessária água para o arrefecer durante vários anos. O académico observa que passar a depender de água exterior para o processo de arrefecimento comporta riscos, nomeadamente com a continuidade da guerra, a existência de estradas armadilhadas e decisões sobre que camiões (russos ou ucranianos) levariam a água.

“Estas manobras de levar água para a central são críticas e delicadas e sobretudo se houver mais algum destes reservatórios que por alguma razão – como há ali um cenário de guerra – deixe de funcionar ou seja destruído, começa-se a atingir um ponto crítico de arrefecimento e ficamos num cenário parecido com o de Fukushima”, afirmou Rui Silva. Fukushima, no Japão, registou um dos piores desastres nucleares de que há memória, em 2011.

A par da possibilidade de perda de fonte de arrefecimento, Zaporíjia já causou preocupações também pelos ataques que cortaram a ligação da central à rede elétrica e pela pressão sobre os trabalhadores.