Guerra na Ucrânia

Por que razão o envio de F-16 para a Ucrânia pode não ser o milagre que Kiev espera (e precisa)?

A logística é de longe o mais sério entrave a uma utilização proveitosa dos tão desejados caças. Do treino específico que os pilotos ucranianos têm de receber, passando pela necessidade de fornecimento em massa de munições para estes aviões, os F-16 com que Volodymyr Zelensky tanto sonha podem dar uma ajuda na guerra, mas dificilmente modificarão o seu curso. A CNN falou com um piloto no ativo e vários analistas militares sobre a necessidade de moderar as expectativas

Caças japoneses e norte-americanos durante exercício militar conjunto em reação ao lançamento de um míssil balístico pela Coreia no Norte, a 19 de fevereiro de 2023
JAPAN'S DEFENSE MINISTRY JOINT STAFF HANDOUT

Há meio ano, o envio de F-16 para a Ucrânia era um sonho de Zelensky e pouco mais que isso. Nos últimos dias, porém, esse pedido constante do Presidente da Ucrânia parece ter adquirido uma consistência que vai bem além da dos sonhos: já está em curso a formação de uma coligação de países dispostos a treinar pilotos ucranianos - entre eles, Portugal. O Presidente dos EUA, Joe Biden, também já disse que apoia o esforço para o treino de pilotos ucranianos, o que é um sinal óbvio de que também apoiará o seu envio para o terreno. No entanto, os caças podem não ser o milagre nos céus que a Ucrânia precisa.

A dinâmica mudou na terça-feira, quando o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, e seu homólogo dos Países Baixos, Mark Rutte, se reuniram em Londres e concordaram em “trabalhar para construir uma coligação internacional para fornecer à Ucrânia capacidades aéreas de combate, apoiando-a em tudo, desde treino até a aquisição dos caças F-16”, segundo um comunicado de Downing Street. O Reino Unido tem sido uma força de pressão para o envio de armamento à Ucrânia, e os Estados Unidos não querem ficar atrás do caminho, arrojados dos britânicos nesta matéria.

Antes desta reviravolta política de Washington, o "New York Times" já tinha escrito que os Países Baixos, Dinamarca, Bélgica e Noruega estavam disponíveis para enviar pelo menos 125 caças para a Ucrânia.

Treino do pessoal de manutenção demora “meses ou anos”

Os problemas no calendário para o treino do pessoal de manutenção, cuja instrução demora muito mais do que a de um piloto, são os mais prementes. Peter Layton, investigador no Griffith Asia Institute e ex-piloto da Força Aérea australiana disse à CNN que o facto de existirem tantos F-16 ativos nos vários exércitos do mundo é um ponto a favor da resiliência e utilidade destes aviões, mas notou também que é preciso treinar muito pessoal de forma a manter os aviões “capazes” em várias missões seguidas. “É possível ensinar um piloto ucraniano a pilotar um F-16 em três meses”, disse Layton, “mas o treino do pessoal de manutenção pode demorar vários meses ou mesmo anos, dependendo no nível de proficiência que se deseja atingir”, segundo um relatório de março sobre a viabilidade da transferência dos F-16 para a Ucrânia, escrito a pedido do Congresso norte-americano. Um mecânico especializado da Força Aérea norte-americana tem 133 dias de formação e depois passa mais um ano “no terreno” antes de adquirir a sua qualificação. Acresce que por cada hora de voo, um F-16 precisa de 15 horas de manutenção. Atualmente, os F-16 estão operacionais em 25 países.

“Aprender a pilotar um F-16 é apenas uma parte da batalha. Os pilotos norte-americanos primeiro aprendem a voar, depois aprendem a comandar dois F-16, depois quatro F-16. É um processo de vários anos e isto é apenas para a unidade tática básica”, disse o piloto anónimo à CNN.

Onde esconder os aviões?

Um outro problema será esconder estas máquinas. A Rússia já sabe que elas vão chegar, mais mês, menos mês, e é possível que esteja a dedicar boa parte dos seus esforços à identificação de locais onde possam ser armazenados. Os F-16 foram construídos para descolar e aterrar em pistas de alcatrão o mais liso possível, que não é exatamente o que existe nas bases aéreas do tempo da URSS que ainda dominam a paisagem na Ucrânia.

“Para poder trazer aeronaves ocidentais, a Ucrânia pode precisar de repavimentar e potencialmente aumentar várias pistas, um processo que a Rússia provavelmente detetaria. Se apenas alguns aeródromos forem readaptados, em locais já identificados pela Rússia, ataques russos poderiam impedir os F-16 ucranianos de voar”, escreveram recentemente os dois analistas do instituto RAND John Hoehn e William Courtney.

Munições precisam-se

Um último problema, identificado pelos especialistas ouvidos pela CNN, é o fornecimento de munições. “As vantagens de transferir caças de fabrico ocidental para a Ucrânia só serão visíveis se também se garantir a transferência de grandes quantidades de munições fabricadas no Ocidente”, diz o relatório do Congresso também citado acima. Como exemplo, apenas um míssil AMRAAM (alcance médio) custa mais de um milhão de dólares e o seu tempo de produção é de, em média, dois anos.

A Rússia já disse que o envio de caças para a Ucrânia representa um grande perigo, porém os responsáveis ucranianos negam que os F-16 possam vir a servir para qualquer ataque em solo russo. “Dar F-16 à Ucrânia vai dissuadir a Rússia, não ‘provocá-la’”, tweetou o ministro da Defesa ucraniano, Dmytro Kuleba, em abril.

“Entregar F-16 à Ucrânia é uma boa injeção de moral e vai adicionar ao esforço de guerra ucraniano algumas capacidades, mas é só isso. Não será um avião apenas a mudar o rumo da guerra”, disse o mesmo piloto.