Guerra na Ucrânia

"Babushka Z": a história da camponesa ucraniana idosa que se tornou uma estrela da propaganda russa

Uma idosa ucraniana que agitava uma bandeira vermelha soviética foi usada pela máquina de propaganda do Kremlin, depois de um vídeo do seu encontro com soldados ucranianos ter surgido nas redes sociais. Mas quem é a "Babushka Z" ["Avó Z", em russo] e o que justifica este ato, quando o seu país se encontra sob ataque contínuo por parte da Rússia?

Imagem em cartão de "Babushka Z" num supermercado em Moscovo
Konstantin Zavrazhin

Anna Ivanovna não é conhecida na Rússia pelo seu nome real. "Babushka Z", uma idosa ucraniana que brandiu uma bandeira vermelha soviética no encontro com soldados do seu país, tornou-se o rosto improvável da propaganda do Kremlin depois de um vídeo desse momento se ter tornado viral.

A mulher que se tornou mito, e cujo paradeiro era até agora desconhecido, foi localizada pela BBC em Velyka Danylivka, uma vila perto de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, onde vive com o marido, cães, gatos e coelhos, e onde os estrondos da artilharia russa se fazem ouvir em permanência. Anna Ivanovna, de 69 anos, garante que a história é muito diferente da que os 'media' russos têm difundido. Não apoia a guerra, e frisa: "Como posso apoiar a morte do meu povo? Os meus netos e bisnetos foram forçados a ir para a Polónia. Vivemos com medo e terror." No entanto, foi mesmo Anna Ivanovna que cumprimentou os soldados com uma bandeira soviética.

A sexagenária diz que foi mal interpretada, e que confundiu os dois soldados ucranianos que lhe ofereciam comida com militares russos. "Fiquei feliz por os russos terem vindo e não terem lutado connosco; fiquei feliz por nos unirmos novamente."

Conhecida como Babushka Z - "avó" em russo, com o "Z" a referir-se ao símbolo frequentemente pintado nos veículos blindados das forças de Moscovo -, Anna Ivanovna rejeita que a glorifiquem e não compreende por que se tornou célebre sendo "apenas uma camponesa". Até a BBC a confrontar, nunca tinha visto as suas imagens usadas para efeitos de propaganda.

No vídeo, os soldados que a encontraram a agitar uma bandeira vermelha soviética dizem que se aproximaram para ajudá-la e ofereceram um saco de comida. Depois, tiraram-lhe a bandeira, atiraram-na ao chão e pisaram-na. E é nesse momento que a mulher, sentindo-se insultada, devolve a comida. "Os meus pais morreriam por aquela bandeira na Segunda Guerra Mundial", disse, indignada.

Como a maioria dos ucranianos - mesmo em regiões com mais falantes de russo - não apoiou a invasão, o uso da bandeira soviética passou a ser interpretado como uma prova de que as ações do Kremlin reúnem apoiantes entre a população local. Para o Kremlin, o registo em vídeo era um diamante em bruto, já que podiam usar aquela mulher como um raro exemplo de um ucraniano que lamentou o colapso da União Soviética e encarava os russos como libertadores.

A máquina de propaganda do Kremlin começou a funcionar. Em poucos dias, as imagens - que expunham reminiscências de uma camponesa estereotipada da era soviética, com o seu lenço, botas de feltro e saia grossa - começaram a circular por todos os lugares, de Moscovo e Sibéria à ilha de Sacalina, no extremo leste russo.

Imortalizada em murais, cartazes, postais, esculturas e autocolantes, Anna Ivanovna já inspirou também canções e poemas. As autoridades russas também inauguraram uma estátua em homenagem a esta figura em Mariupol.

Anna Ivanovna garante que o seu ato não tem uma conotação política, porque vê a bandeira vermelha, não como o símbolo da União Soviética ou da Rússia, mas como "a bandeira do amor e da felicidade em cada família, em cada cidade, em cada república".Se pudesse conversar com Putin, dir-lhe-ia que a guerra é um "erro" e que os "trabalhadores ucranianos" nada fizeram para a merecer, mas que são os que "mais sofrem".

É, porém, mais relutante quanto a criticar abertamente o líder russo. "Putin é um Presidente, um czar, um rei, um imperador", diz.

A vila de Anna tem sido bombardeadas várias vezes, e, por isso, tem as janelas partidas, o telhado destruído e estilhaços espalhados na parte da frente da casa. Mas este não é o único motivo que a faz temer pela sua segurança. Na Ucrânia, tem sido atacada online porque é vista como uma apoiante pró-Rússia. Todos os seus vizinhos a evitam, na pequena vila em que todos se conhecem. À BBC, confidencia: "Não estou feliz por me terem tornado famosa. Agora consideram-me uma traidora."