É preciso recuar ao ano de 1989 e à queda do muro de Berlim para perceber como se formou a Transnistria, oficialmente Pridnestrovian Moldavian Republic (PMR), e porquê.
Com a maioria dos habitantes a serem russófonos na zona da Transnístria, foi em 1989 que a Moldávia tentou tornar o moldavo na língua oficial da região. No entanto, os habitantes não concordavam com a medida, com o Governo da Transnístria a romper as ligações com a capital da Moldávia, Chisinau.
No ano seguinte, em 1990, a Transnístria foi autoproclamada uma República, tendo como capital a cidade de Tiraspol, no sudeste da Moldávia, a cerca de 20 quilómetros da fronteira com a Ucrânia a este, e a cerca de 100 quilómetros de Odessa, uma cidade no sul da Ucrânia, extremamente bem localizada com acesso ao Mar Negro. Uma região apetecível para Vladimir Putin.
Tiraspol conta com a passagem de um dos maiores rios europeus: Dniester, já para não falar de que a cidade é extremamente importante na produção industrial e no controlo de vias de transporte e de gasodutos. Por estes motivos, a região sempre esteve na mira tanto da Moldávia, que a queria recuperar para si, como da Rússia, que a queria manter por questões estratégicas e para “proteger os cidadãos de origem étnica russa”, como menciona Putin.
A região da Transnístria apenas é reconhecida como independente por outros Estados autoproclamados independentes pró-russos: falamos das Repúblicas da Abkhazia e da South Ossetia, regiões que ficam no norte da Geórgia e da República de Artsakh, mais conhecida como República de Nagorno-Karabakh, que é apoiada pela Arménia, mas internacionalmente reconhecida como parte do Azerbaijão. Todas estas regiões se encontram sob o domínio e influência russos.
Só em 1991, após a queda da União Soviética, a Moldávia declarou a sua independência. Nesse mesmo ano, a Transnístria realizou eleições presidenciais independentes que não foram reconhecidas nem pela Moldávia nem pelos restantes países, uma vez que a região era considerada parte da Moldávia.
Destas eleições saiu vitorioso Igor Nikolaevich Smirnov, o primeiro presidente da Transnístria (1991-2011), que em 2006 decidiu realizar um referendo independente na região para que a Transnístria fizesse parte ou da Rússia ou da Moldávia. Para nossa grande surpresa, a anexação à Rússia saiu vitoriosa com 98.07%.
Smirnov manteve a região mais ou menos sob controlo até 2011, onde saiu derrotado nas eleições pelo seu sucessor, Yevgeny Vasilyevich Shevchuk, que não durou muito tempo (fugiu para a Moldávia em 2017 enquanto estaria a ser acusado criminalmente).
Em 2016 foi derrotado pelo então presidente Vadim Nikolaevich Krasnoselsky, que obteve 62% dos votos.
Após a sua independência, a Moldávia passou ainda por um período negro no ano seguinte, em 1992, com uma guerra civil a assolar o país, consequência do desacordo entre a população russófona e romena relativamente à anexação da Moldávia à Roménia, rejeitada desde logo.
Entre 1992 e 2022, a região da Transnístria tem sido a mais estável quando comparamos com a Crimeia ou com as Repúblicas da Abkhazia, da South Ossetia e de Nagorno-Karabakh.
Agora, com a invasão da Rússia à Ucrânia, Vladimir Putin, o Presidente russo, vê na região da Transnístria uma chave de ouro para lançar a sua estratégia de conquista a Odessa, encurralando-a com militares em cinco pontos fundamentais: na própria região da Transnístria, na República da Crimeia, no Mar Negro, e com ataques ferozes às cidades de Mykolaiv e Kherson, a poucas centenas de quilómetros a este.
O presidente da Transnístria, Vadim Krasnoselsky, acusou recentemente Kyiv de “atentados terroristas” à região, com bombardeamentos a alguns edifícios fundamentais da região. No entanto, o Governo da Moldávia, através da sua presidente, Maia Sandu, insiste em manobras de diversão para “criar instabilidade na região” e atrair as tropas russas para defender os seus cidadãos.
O objetivo de Putin passa, portanto, pela criação de um corredor entre a Transnístria e Odessa, a cidade portuária a sul da Ucrânia e, caso o argumento para a invasão da Ucrânia seja utilizado novamente, Vladimir Putin poderá não parar por aqui, podendo “intervir militarmente” na Moldávia. Estrategicamente, o Presidente russo poderá querer formar um cordão militar defensor e, caso seja preciso, atacante, desde a fronteira mais a norte com a Noruega, até à fronteira mais a sudoeste, com a Roménia, depois das ameaças de adesão de alguns países bálticos à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN - NATO, em inglês).