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Guerra na Ucrânia

“Não precisamos que nos salvem, não precisamos de nenhuma libertação.” Histórias de fuga no sul da Ucrânia

Nas aldeias à volta de Mikolaiv e na cidade de Odessa concentram-se muitos dos refugiados internos que deixaram as zonas ocupadas do sul da Ucrânia, mas não querem sair do país. Histórias de fugas perigosas, inesperadas, com tudo para correr mal misturam-se com as de quem arrisca a vida para ir levar comida e trazer pessoas, e com as de quem já não pode voltar, por ter o nome na base de dados dos russos

Há quase 6,5 milhões de deslocados internos na Ucrânia. Odessa tem concentrado um grande número de pessoas, já que é relativamente fácil fugir se a guerra avançar. É também a cidade grande mais perto de zonas como Kherson ou Mikolaiv, a primeira já controlada pelos russos, a segunda alvo constante de bombardeamentos
RUI DUARTE SILVA

Há uma palavra afixada em quase todos os carros que passam na direção de Mikolaiv: “crianças”. Folhas de papel coladas nos cantos superiores do vidro da frente, outras vezes a palavra pintada a spray nas portas laterais. À porta da Igreja Baptista de Bashtanka está uma carrinha com uma folha A4 colada aos vidros das portas de trás, onde se lê a mesma indicação. Dos puxadores das portas agitam-se ao vento pedaços de tecido branco, pendem do espelho retrovisor, dos espelhos laterais e enrolam-se na antena. Querem dizer “vimos em paz, somos civis”.

Mesmo ao lado, outra carrinha em pior estado, com marcas de balas, um vidro partido selado com plástico e fita-cola, ostenta os mesmos códigos. Por estes houve menos respeito.

Estas estradas perto de uma linha da frente que pode mudar de um dia para o outro não servem apenas para levar comida às zonas sob ocupação e trazer de lá os que querem fugir. São cenário de batalha. De ambos os lados chove artilharia capaz de matar quem por aqui circula.