França

“Somos todos Gisèle Pélicot”: milhares manifestaram-se em Paris em apoio às vítimas de violação

“A vergonha tem de mudar de lado”, gritaram os milhares de pessoas que se juntaram em Paris numa das muitas manifestações espalhadas por toda a França em apoio a Gisèle Pélicot, violada por dezenas de homens, e a todas as vítimas de violação

Teresa Suarez/EPA

Milhares de pessoas reuniram-se este sábado, em Paris, numa das muitas manifestações espalhadas pelo país em apoio a Gisèle Pélicot, violada por dezenas de homens, e a todas as vítimas de violação.

"Em França, está a acontecer um processo emblemático, pois é uma mulher normal que sofreu durante dez anos de violação pelo seu marido e por mais de cinquenta homens", disse Célia Lévy, de 58 anos, responsável pela organização feminista NousToutes.

A 2 de setembro, no sul de França, teve início o julgamento de Dominique Pélicot, acusado de ter drogado a sua mulher, Gisèle Pélicot, durante quase dez anos e de ter convidado dezenas de homens recrutados na Internet para a violarem.

A manifestação na Place de la République, em Paris, convocada por vários ativistas e associações, teve início marcado para as 14h locais (13h de Lisboa) e contou com vários cartazes como "Parar violências sexistas e sexuais", "Apoio às vítimas", "Já não está sozinha" e "A vergonha tem de mudar de lado".

Gisèle Pelicot, de 71 anos, quis um julgamento de portas abertas e é vista como um símbolo da luta contra a violência sexual, sendo descrita pelos manifestantes entrevistados pela Lusa como uma "mulher corajosa".

"Gisèle Pellicot e a sua filha, Caroline Darien, são pessoas excepcionais, como todas as mulheres que vivem violências sexistas e sexuais (...) tiveram uma coragem incrível de denunciá-la", afirmou Célia Lévy.

Os homens acusados "são homens comuns [...] bons pais de família, são pessoas exemplares, como vimos com o Abbé Pierre [padre católico francês acusado de violência sexual], que, na verdade, sistematicamente, violam com toda a impunidade", acrescentou.

Célia Lévy criticou ainda a inação "política e financeira para acabar com essas violências masculinas", já que o Presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu "colocar em prática ações para lutar contra as violações feitas às mulheres, mas não fez absolutamente nada".

"Na França há 210 mil violações e tentativas de violação a cada ano. Isso quer dizer que há uma violação ou uma tentativa de violação a cada dois minutos e 30 segundos e menos de um por cento dos violadores são condenados", afirmou.

Teresa Suarez/EPA

Segundo Sophie, de 47 anos, "este caso foi como um grande choque: as pessoas perceberam que os violadores são homens comuns" e que nenhum dos acusados denunciou a situação ou ajudou a vítima, e "apenas três em cada 10 se recusaram a participar".

"Neste momento fala-se nas redes sociais sobre as reações dos homens, que são muito decepcionantes, muitos estão concentrados em tentarem defender-se em vez de aceitarem questionar-se", afirmou Sophie, reforçando a importância do consentimento.

Laura, de 23 anos, decidiu juntar-se à manifestação porque está "muito zangada com o que está a acontecer com as mulheres em França e no mundo".

"É horrível, mas revela muito sobre como os homens acham que podem ser horríveis com as mulheres sem punição", disse Laura, acrecentando que é "preocupante, porque pode ser qualquer homem, qualquer perfil".

Para a jovem francesa, que se revelou pessimista sobre uma possível mudança na sociedade quanto à violência contra as mulheres, Gisèle Pelicot "vai ficar na história e talvez ajude a mudar o futuro".

Teresa Suarez/EPA

A manifestação reuniu mulheres e homens de todas as idades que gritaram frases de apoio como "somos todos Gisèle", "vemos-te como violador, acreditamos em ti como vítima", ao mesmo tempo que batiam palmas.

Antonio, de 36 anos, que considera que esta é "uma expressão do que deve mudar numa larga escala", o 'caso Pelicot' é exemplo perfeito para se perceber o que tem de mudar na sociedade.

"É importante, enquanto homem, apoiar as mulheres nesta causa, porque penso que já passou muito tempo desta violência dos homens para com as mulheres e é muito crucial estar aqui e expressar o meu apoio às mulheres, porque não podemos continuar a aceitar isto sem fazer nada", afirmou Antonio.

Já James, de 35 anos, que segurava um cartaz com a frase "Todos com Gisèle", quis mostrar o seu apoio "a todas as mulheres e todas as vítimas", considerando que, "como homem, é importante estar presente".

"É preciso ver a verdade e enfrentar a realidade", que os acusados são pessoas aleatórias, com trabalhos e vidas normais e "isso é tão chocante", referiu.

Gisèle Pelicot "é muito corajosa, uma referência", já que "é muito difícil, especialmente para os homens, enfrentar esta realidade, mas isto faz-nos refletir e ver se, de facto, estamos a atuar da forma correta e se estamos dispostos a mudar", acrescentou.