A imprensa eslovaca já identificou o atirador suspeito de ter atacado o primeiro-ministro eslovaco esta quarta-feira. Robert Fico foi baleado cinco vezes, incluindo no estômago e na mão, e continua internado hospital na Eslováquia. A detenção de Juraj Cintula - um escritor de 71 anos que trabalhava como vigilante e que tem ligações no seu passado ao grupo Slovenskí Branci, uma organização conhecida na Eslováquia pela sua proximidade com a Rússia -, foi confirmada minutos depois de o incidente na localidade de Handlova ter sido noticiado.
Esta manhã, o The Guardian confirmou que Cintula foi acusado de tentativa de homicídio pelas autoridades locais.
Segundo o jornal diário Dennik N, Juraj Cintula é natural da pequena localidade de Levice, onde fundou um clube de leitura, e em 2016 criou outro movimento, denominado “Movimento contra a Violência”. Mas, apesar do nome e da associação inicial a causas menos ameaçadoras, Cintula ter-se-á juntado a facções mais extremistas, nomeadamente o Slovenskí Branci (SB) - cuja atividade foi suspensa em 2022.
O jornalista de investigação Szabolcs Panyi, que ajudou na reportagem que denunciou o esquema de espionagem “Pegasus”, descobriu rapidamente esta ligação, com Cintula a mostrar-se um forte apoiante de milícias pró-russas em publicações no Facebook. Em 2016, deu um discurso num evento do SB, junto a membros em equipamento camuflado, em que defendeu que “os habitantes, o país, a tradição e a cultura” devem ser protegidos de imigrantes oriundos de fora da Europa.
Na altura, o suspeito considerou que os movimentos pró-russos tinham “capacidade de agir sem a ordem do Estado” e classificou todos os imigrantes como “criminosos”, sem qualquer tipo de fundamento e evocando teorias extremistas, racistas e xenófobas.
Mas a carreira literária de Cintula não foge à sua visão sobre a sociedade. O suspeito escreveu três coleções de poesia e dois romances, apresentados na página do clube literário. Segundo o Euronews, as obras são também marcadamente ultraconservadores, desta vez contra a comunidade cigana na Eslováquia e na Europa de Leste, criticando a atribuição de proteções sociais à minoria Roma e fazendo várias considerações racistas.
Cintula era membro da Associação de Escritores Eslovacos desde 2015, mas a organização rapidamente afastou-se do seu membro na sequência do ataque, contando ao Dennik N que, caso se confirmem as suspeitas sobre ele, “a adesão dessa pessoa será imediatamente revogada”.
O alegado atirador teria experiência com armas de fogo antes do ataque ao primeiro-ministro eslovaco, já que, segundo acrescenta o diário Dennik N, Cintula tinha uma licença de porte de arma e tinha trabalhado como vigilante numa empresa de segurança.
Motivações política
O incidente foi rotulado pelo Governo do país como sendo “politicamente motivado”, e o ministro da Defesa defendeu que o suspeito foi “incapaz de aceitar a vontade da sociedade” após as últimas eleições legislativas de outubro do ano passado.
Recentemente, Fico tem sido alvo de duras críticas pela oposição, que tinha organizado um protesto contra o Governo, após o primeiro-ministro populista ter anunciado uma reforma controversa contra a televisão estatal (a manifestação foi cancelada depois do ataque).
Ainda são desconhecidos os motivos que levaram ao ataque, apesar das considerações de membros do Governo.
O caso do populista anti-UE e amigo da Rússia que nasceu a partir da esquerda democrática
Robert Fico foi eleito líder da Eslováquia pela terceira vez desde 2006 pelo social-democrata Smer, que fundou em 1999 e que lidera desde então, mas a última vitória em 2023 surgiu num contexto de grande contestação e risco de interferência externa. O primeiro-ministro, que até começou a sua vida política no Partido Comunista da Checoslováquia ainda sob a alçada soviética, de esquerda e de social-democrata tem pouco: o grupo é marcadamente populista e nacionalista e Fico é conhecido por ter questionado a pandemia da Covid-19 e por posições contra a comunidade LGBTI+ e a comunidade migrante, mas foi a sua grande aproximação a Vladimir Putin e ao Kremlin que fez soar o alarme na União Europeia.
Durante as eleições de outubro, Fico defendeu que acabaria com o apoio militar da Eslováquia à Ucrânia e, como a Hungria, o país tem obrigado a negociações mais delicadas no contexto da União Europeia.
A tentativa de assassinato ao primeiro-ministro é o primeiro grande ataque violento na história da Eslováquia democrática, país que conquistou a sua independência em 1993.
Vários apoiantes do partido de Robert Fico condenaram o ataque mas, aproveitando o risco de vida do seu líder, atacaram também a oposição. Lubos Blaha, um dos líderes do Smer no parlamento, expressou o seu “grande nojo pelo que [os progressistas] fizeram aqui nos últimos anos”.
Já Peter Pellegrini, o presidente-eleito (que tomará posse em julho, depois de vencer as presidenciais de março deste ano) apontou o dedo à “imprensa liberal”, acusando os progressistas de criar um ambiente tóxico, e criticando o escrutínio democrático dos jornalistas às políticas extremistas e populistas de Fico.
O Eslováquia Progressista (Progresívne Slovensko), o principal partido da oposição de centro-direita liberal e pró-europeísta, negou as denúncias do Governo, e suspendeu a manifestação marcada contra a reforma da televisão estatal. Michal Šimečka, o líder do grupo, explicou que o adiamento do protesto servia para evitar uma “escalada da tensão”.
Nota: por motivos de ordem técnica, este texto esteve indisponível durante alguns minutos. Pelo erro, pedimos as nossas desculpas.