EUA

Trump é oficialmente um criminoso: oito perguntas sobre os seus próximos passos na política e na justiça

Apesar da decisão do júri, é extremamente difícil que o antigo Presidente dos EUA acabe numa cela antes (ou depois) das eleições presidenciais. Mas restam algumas dúvidas sobre se Trump pode sequer votar em si próprio ou se pode perdoar-se, caso chegue à Casa Branca

Donald Trump após ser considerado culpado
Justin Lane-Pool/Getty Images

Depois de oito anos na ribalta como líder dos republicanos, sobram poucos recordes e marcos históricos para Donald Trump. Depois do dia 30 de maio de 2024, pode somar mais uma linha à biografia: é o primeiro Presidente dos Estados Unidos de sempre a poder ser considerado, irrefutavelmente, como um criminoso.

Na quinta-feira, os 12 jurados do tribunal de Manhattan consideraram Trump culpado de ter falsificado registos contabilísticos para esconder um caso extraconjugal com a ex-atriz de filmes pornográficos Stormy Daniels, a quem pagou 130 mil dólares para que não falasse. O júri respondeu “culpado” de forma unânime às 34 acusações pelo Ministério Público de Nova Iorque.

Trump vai certamente apresentar um recurso. Por agora, o excêntrico e controverso magnata vai continuar a fazer campanha para as eleições presidenciais de novembro, como candidato putativo pelo Partido Republicano. Uma coisa ficou bem clara nos primeiros minutos após a decisão: o veredito do caso será um dos temas mais polarizantes e mais noticiados da história da política presidencial norte-americana.

Quais são os próximos passos? E se for preso, o que acontece à sua candidatura? Recordamos o que se segue no processo que envolve Trump em Nova Iorque, as reações à decisão do júri e se será possível que inicie o seu segundo mandato a partir da prisão.

Trump é culpado. Mas quando será condenado?

A primeira data a ter em conta a partir de quinta-feira é o dia 11 de julho, às 10 horas locais, hora em que está previsto o anúncio da sentença pelo juiz do Supremo Tribunal de Nova Iorque, Juan Merchan. A acusação não pediu agora prisão preventiva nem o pagamento de uma fiança, pelo que o ex-Presidente ficará livre até à próxima audiência.

Entretanto, Trump terá de se apresentar ao departamento de liberdade condicional de Nova Iorque para ser entrevistado sobre detalhes pessoais, historial médico, saúde mental e sobre circunstâncias do caso, de modo a que o juiz possa tomar uma decisão sobre que tipo de pena e/ou encarceramento merece o empresário.

Qual é o prazo para o recurso?

A justiça dá 30 dias à defesa do antigo líder norte-americano para apresentar intenção de recurso. O recurso em si tem um prazo limite de seis meses, o que estenderia o período máximo de apresentação do recurso para lá da data das eleições presidenciais - marcadas para o dia 5 de novembro. Até ao recurso ficar concluído, pode levar meses, ou mesmo anos, e a decisão pode ser revertida entretanto.

Na quinta-feira, o advogado do antigo Presidente, Todd Blanche, disse à CNN, que a equipa de Trump vai “lutar vigorosamente” contra a decisão, incluindo por “coisas que aconteceram neste julgamento que o tornaram injusto”. Assim que pudermos recorrer, vamos recorrer”, garantiu Blanche.

O primeiro recurso é apresentado à divisão de recursos do Departamento de Justiça de Nova Iorque. Se falhar, Trump pode apelar ao equivalente ao Tribunal da Relação de Nova Iorque; e, se necessário, pode apresentar um terceiro recurso no Supremo Tribunal - que, apesar de não estar obrigado a decidir sobre o caso, inclui três juízes ultraconservadores nomeados por Trump.

Veremos Trump preso antes das eleições?

Não é impossível, mas é altamente improvável.

Além dos prazos em torno dos recursos, Trump tem 77 anos, um idoso sem registo criminal. Os 34 crimes de falsificação de documentos de que foi considerado culpado são o tipo de crimes mais leve no sistema de Nova Iorque, e a pena vai de entre pena suspensa a quatro anos de prisão.

Segundo especialistas legais consultados por vários órgãos de comunicação, incluindo pela revista Forbes, crimes deste género muito raramente implicam uma pena de prisão. O mais provável é que Merchan - a quem o réu já brindou com vários insultos, incluindo de corrupto, e que lhe valeram multas ao longo do julgamento - condene Trump a um período de liberdade condicional. Essa pena obrigá-lo-ia a apresentar-se regularmente numa esquadra, e avisar sempre que tentar fazer um comício fora do estado onde reside.

Há também a possibilidade de vir a ser condenado a um período de prisão domiciliária, a prestar serviço comunitário ou a pagar uma fiança enquanto aguarda por uma decisão sobre o recurso.

O relatório das diferentes autoridades sobre as condições de encarceramento que vai ser entregue ao juiz também deve incluir um complicado plano envolvendo os Serviços Secretos. Como todos os antigos Presidentes, Trump será guardado pelas forças especiais da Presidência até ao resto da sua vida, e uma possível estadia numa prisão teria de precaver esse dispositivo de segurança - e, segundo o New York Times, já houve inclusive reuniões entre as autoridades municipais sobre este aspeto.

Trump pode ser candidato na mesma?

Nesta altura, essa talvez seja a pergunta mais fácil de todo este espetáculo legal: sim.

A Constituição dos Estados Unidos não proíbe pessoas condenadas por crimes ou pessoas encarceradas de serem candidatas às eleições presidenciais. Os únicos requisitos definidos pela Constituição são que o candidato tenha 35 ou mais anos; que tenha nascido nos EUA; e que resida nos EUA há pelo menos 14 anos.

A 14.ª Emenda da Constituição também especifica que pessoas condenadas por insurreição não podem concorrer à Casa Branca (a emenda foi criada após a Guerra Civil do séc. XIX, pensada nos que lutaram pelo lado derrotado). Os supremos tribunais do Colorado e do Maine decidiram que Trump devia ser afastado do boletim de voto naqueles estados, por ter alegadamente incitado os seus apoiantes a invadir o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021. Mas o Supremo Tribunal federal (ultraconservador e repleto de juízes favoráveis a Trump) reverteu a decisão de forma unânime, concordando que apenas o Congresso federal tem o poder de aplicar essa emenda constitucional. Alterar esse regime obrigaria a uma maioria de dois terços e, com um Congresso nas mãos dos republicanos e com um clima político tão politizado, qualquer consenso é praticamente impossível.

Dos 88 crimes de que foi acusado, nenhum deles implica insurreição e, por isso, nenhuma condenação impediria Trump de ser candidato.

E pode votar em si mesmo?

Todos os votos contam, especialmente considerando o sistema de “winner takes all” do Colégio Eleitoral (quem conquistar um estado, conquista todos os votos que esse estado representa) e as sondagens extremamente renhidas.

Trump vai poder deslocar-se às urnas e votar em si próprio, desde que continue fora da prisão. O ex-Presidente nasceu e cresceu em Nova Iorque, mas vive no seu resort de luxo na Flórida, em Mar-a-Lago, desde 2019. A Flórida é um estado conhecido pela sua intolerância com reclusos e por limitar gravemente os direitos cívicos de pessoas condenadas por crimes.

A Associated Press esclarece, contudo, que a lei aplicada na Flórida remete para as leis de privação de direitos de outros estados, nos casos em que os seus residentes são condenados por crimes fora da Flórida.

Sendo culpado em Nova Iorque, o recenseamento de Trump depende das leis em Nova Iorque, e essas apontam que uma pessoa apenas perde o seu direito de voto se for encarcerado. E a legislação em vigor repõe os direitos do condenado mal este seja libertado, mesmo em liberdade condicional.

No fundo, a garantia mais fácil que Trump pode ter caso queira preencher o boletim no dia 5 de novembro é apenas continuar longe de uma cela.

Se vencer, podemos ver o primeiro auto-perdão?

Não - ou melhor, ainda não. Este veredito está inserido num processo ao nível estatal, no estado de Nova Iorque. Um Presidente apenas pode perdoar pessoas condenadas por crimes federais; portanto, independentemente do seu futuro, não há muito que um hipotético Presidente Trump possa fazer.

O perdão presidencial nos EUA é uma matéria constitucional extremamente delicada, já que existem vários limites impostos aos líderes norte-americanos que foram surgindo por necessidade e não sabemos bem o quão longe é possível ir. A maior linha vermelha neste aspeto são os processos de encerramento - um Presidente não pode perdoar titulares de cargos públicos que tenham sido exonerados.

Em 1974, o ainda Presidente Richard Nixon tentou testar os limites deste poder e procurou saber se podia “autoperdoar-se” no processo “Watergate”. Nixon acabou por se demitir antes sequer do processo de exoneração avançar, e o seu sucessor, o vice-presidente Gerald Ford, perdoou-o imediatamente (apesar de nem ter sido acusado de qualquer crime).

Caso Trump seja condenado ou considerado culpado em um dos três processos federais em que continua implicado, e caso seja Presidente dos EUA nessa altura, podemos ver esse poder ser novamente testado pela Casa Branca.

Como reagiram os apoiantes e adversários?

Se as seis semanas de julgamento e os vários anos de processos mostraram alguma coisa, é que os apoiantes de Donald Trump não querem saber do seu cadastro, por considerarem que estes processos são uma cabala política, uma “caça às bruxas”. A decisão do júri de Manhattan não mudou praticamente nada neste aspeto.

Mal ficou conhecido que Trump tinha sido considerado culpado por 34 crimes, choveram comentários nas redes sociais e nas estações televisivas mais conservadoras, como a Fox News, a defender o antigo Presidente e a acusar o tribunal nova-iorquino de agir de forma parcial.

Curiosamente, a sentença é conhecida poucos dias antes da Convenção Republicana, em Milwaukee, onde Trump vai ser certamente confirmado como o candidato oficial do Partido Republicano às presidenciais.

O líder da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, afirmou na rede social X (antigo Twitter) que quinta-feira foi “um dia vergonhoso”, condenando os democratas por “aplaudir enquanto o líder do partido da oposição foi considerado culpado por acusações ridículas”. “Este exercício foi puramente político, e não legal”, defendeu o ‘speaker’ ultraconservador.

Já a deputada Marjorie Taylor Greene, uma das defensoras mais fervorosas e extremistas do ex-Presidente, reagiu com uma imagem da bandeira norte-americana ao contrário - um símbolo que tem sido frequentemente associado a movimentos de extrema-direita violentos pelas forças de segurança. “Milhões de nazis e soldados imperiais japoneses não conseguiram derrubar a América, mas um juiz escumalha de Nova Iorque fê-lo”, dramatizou e insultou ainda o congressista republicano Derrick Van Orden.

Do lado democrata, a reação foi obviamente positiva, mas houve também algumas mensagens mistas. A mais surpreendente partiu de Larry Hogan, candidato ao Senado pelo Maryland como um republicano moderado anti-Trump, que alertou para o risco de uma polarização ainda mais violenta. “Peço que todos os americanos respeitem o veredito”. Nas respostas à publicação, um gestor de campanha de Trump respondeu-lhe: “Acabaste de perder a campanha”.

Joe Biden, por outro lado, teve uma reação mais contida. Poucos momentos depois de se saber a decisão do júri, a conta oficial do Presidente dos EUA e rival de Trump nas próximas presidenciais fez uma publicação a promover uma campanha de angariação de fundos “Há apenas uma forma de manter Donald Trump fora da Sala Oval: através das urnas”, afirmou Biden.

Em que ponto estão os outros casos?

Além do processo em Nova Iorque, Trump está ainda acusado em três processos diferentes - um sobre a invasão ao Capitólio, outro sobre alegada fraude eleitoral na Geórgia, e o último sobre o uso ilegal de documentos classificados encontrados no seu resort.

O caso mais complexo envolve a acusação federal sobre a eleição presidencial de 2020, que Trump perdeu para Joe Biden. As autoridades investigaram o papel do então Presidente dos EUA nas tentativas goradas de reverter o resultado das eleições em estados críticos, através da substituição de delegados ou da eliminação de votos, e na promoção de teorias falsas de fraude eleitoral. Em janeiro de 2021, estes esforços culminaram com o ataque ao edifício do Congresso por apoiantes do Presidente derrotado, que interromperam a certificação oficial da vitória de Biden.

Trump foi acusado em agosto de 2023 pelo Departamento de Justiça de quatro crimes: um por alegada conspiração para violar direitos constitucionais; um por alegada conspiração para derrubar o Governo; e dois crimes relacionados com a alegada obstrução de procedimento oficial.

A justiça continua à espera que o Supremo Tribunal norte-americano decida sobre se o ex-Presidente pode ser acusado desses crimes.

No caso de interferência eleitoral na Geórgia, Trump e outros 18 associados foram acusados pelo condado de Fulton por alegada tentativa de reverter os resultados eleitorais no estado, e quatro já admitiram serem culpados. Foi no âmbito deste processo que a agora histórica fotografia de Donald Trump na cadeia foi captada.

Seis das 41 acusações foram arquivadas pelo juiz em março e ainda não foi definida uma data para o início do julgamento.

Quanto ao processo sobre os documentos classificados de Mar-a-Lago, o antigo Presidente foi investigado e acusado pelo procurador especial Jack Smith de levar ilegalmente documentos da Casa Branca para a sua residência pessoal, depois de deixar a Presidência. Em agosto de 2022, o FBI realizou buscas no resort de luxo na Flórida e encontrou documentos classificados e secretos espalhados por quartos e várias salas.

Donald Trump foi acusado de um total de 40 crimes de posse ilegal de documentos e obstrução de justiça, ao abrigo da “Lei da Espionagem”. O julgamento estava marcado para o dia 20 de maio deste ano, mas foi suspenso indefinidamente pela juíza e, por isso, é improvável que arranque antes das eleições presidenciais em novembro.