Uma Pennsylvania Avenue repleta por uma multidão na tomada de posse do Presidente-eleito dos Estados Unidos é coisa que não existe desde que em 2009, para ver Barack Obama, dezenas de milhares de pessoas encheram a zona destinada ao efeito. À chegada oficial de Donald Trump à Casa Branca acorreram alguns fãs que não chegaram nem de longe para ilustrar o discurso contraditório do novo chefe de Estado. Trump passaria a negar a realidade durante os quatro anos de mandato, tendo começado por chamar “multidões como nunca se viu” aos escassos magotes de pessoas que acorreram à cerimónia de 2016.
No caso de Joe Biden, o maior impedimento a ajuntamentos é a atual crise de saúde pública, que obriga ao distanciamento, e a que se juntam regras de segurança reforçadas na área. O ataque ao Capitólio de 6 de janeiro, que fez cinco vítimas mortais, incluindo um membro da polícia daquela instituição, deixou o alerta ativado e a memória fresca das palavras de ordem que exigiam a cabeça do vice-presidente, Mike Pence, por ter presidido à certificação da vitória do candidato democrata.
O FBI está a passar a pente fino milhares de efetivos militares em resposta ao receio de um ataque interno à cerimónia de tomada de posse do Presidente-eleito. A operação de segurança montada para esta quarta-feira, 20 de janeiro, é a maior alguma vez pensada para uma transição entre duas administrações.
Verificação da verificação
Os dispositivos de segurança transformaram algumas zonas de Washington em verdadeiras fortalezas. Barricadas, arame farpado e vedações altas foram erigidas para impedir uma repetição do ataque ao Capitólio por uma multidão incitada pelo Presidente cessante.
A verificação dos efetivos da Guarda Nacional pelo Pentágono (equivalente ao Ministério da Defesa) com assistência do FBI é um ponto vital na operação. “Apesar de não haver informação que indique uma ameaça interna, não deixamos pedra por virar na segurança da capital”, declarou o secretário da Defesa em exercício, Christopher Miller, citado pela rádio Voice of America.
“Este tipo de verificação é frequentemente aplicado por reforço da lei em caso de eventos de segurança significativos. No entanto, neste caso, o alcance da participação militar é único. A Guarda Nacional de DC [Distrito de Colúmbia, onde fica a capital) está também a dar formação adicional aos membros à medida que lá chegam, no sentido de reportarem à cadeia de comando caso vejam ou ouçam alguma coisa inapropriada”, disse Miller num comunicado.
Cerca de 25 mil membros da Guarda Nacional, o dobro do utilizado em cerimónias análogas anteriores, estão a chegar a Washington vindos de todas as partes do país. Apesar de as autoridades responsáveis estarem confiantes no escrutínio que está a ser feito das forças de segurança por várias agências, e confirmarem que não há ameaças objetivas, grupos de extrema-direita, supremacistas brancos e outros radicais estão a ser escrutinados sem cessar. Não é possível descartar riscos de reação ao “roubo eleitoral” que o próprio Trump continua a insistir que houve, e que foi desmentido pelo Departamento de Justiça e por responsáveis do Partido Republicano.
Uma visão otimista dos Estados Unidos
Para se distanciar dos acontecimentos dos últimos tempos, Biden escolheu uma visão positiva e otimista do seu país para o discurso de tomada de posse. A tentativa é de “tentar passar a página da divisão e do ódio dos últimos quatro anos” sob a presidência de Trump.
“Penso que o que americanos de todo o país querem é um governo que se concentre em fazer por eles o que está certo, ajudando-os nas suas vidas quotidianas, um caminho em frente que nos convoque a trabalharmos juntos”, declarou a diretora de comunicação da Biden, Kate Bedingfield, no programa “This Week” da ABC. Bedingfield sublinhou que era esse o desejo dos 81 milhões de eleitores que escolheram Joe Biden nas eleições de 3 de novembro.
O pragmatismo pontuou as escolhas para a cerimónia de tomada de posse. O comité de transição de Biden sugeriu que a tradicional descida da Pennsylvania Avenue, por entre a multidão e parcialmente percorrida a pé, deveria ser substituída por uma parada virtual.
Após tomar posse no Capitólio e antes de se dirigir à Casa Branca, o Presidente vai passar revista às tropas, simbolizando a transferência pacífica de poder. A informação foi dada segunda-feira pelo comité da tomada de posse do Presidente, acrescentando que Biden será acompanhado até à Casa Branca por uma escolta representando todos os ramos militares. Muitos pormenores da cerimónia permanecem por divulgar.
Não é completamente claro como é que os cerca de três quilómetros entre as duas instituições vão ser percorridos pelo chefe de Estado empossado, sendo tradição até ao presente um desfile presidencial lento pela Pennsylvania Avenue, pelo meio de uma multidão, que este ano se tentou evitar que se deslocasse a Washington para evitar a propagação do coronavírus.
Segundo “The New York Times”, em vez das extravagâncias de anos passados, o comité revelou estar a planear uma “parada virtual” pelo país. Esta inclui “as imagens emblemáticas do novo Presidente, a nova vice-presidente e as suas famílias a caminho da Casa Branca”.
Uma característica nova será o acrescento de “números musicais, bandas locais, poetas, grupos de dança e outros prestando homenagem aos heróis americanos na frente de combate à pandemia” numa imitação dos segmentos de todo o país que foram emitidos na Convenção Nacional Democrática em agosto último.
Biden e Harris vacinados
Quer Joe Biden quer Kamala Harris foram vacinados contra a covid-19, uma garantia de minimizar os riscos de contágio, bem como de estabelecer novos modelos de comportamento numa tomada de posse mais singela, que reflete as diretivas de saúde pública que querem fazer vingar.
Entretanto, o último dia na Casa Branca do Presidente cessante serviu para passar cerca de uma centena de perdões e comutações de pena. Ao meio-dia desta quarta-feira, passará os seus poderes a Joe Biden sem ter reconhecido oficialmente a sua vitória nem ter cumprimentado o seu sucessor.
“O nosso plano e a nossa expectativa é que o Presidente-eleito ponha a sua mão sobre a Bíblia, com a sua família no exterior oeste do Capitólio, no dia 20”, acrescentou Bedingfield. “Não há dúvida de que vivemos tempos voláteis. Temos de vigiar as conversas nas redes sociais” para escrutinar a possibilidade de acontecerem novos protestos.