O Paquistão realizou, esta quinta-feira, as 12.ª eleições gerais desde que se tornou um país independente, em 1947. Exatamente 128.585.760 eleitores — numa população de mais de 243 milhões — foram convocados para escolher os membros da próxima Assembleia Nacional e também das assembleias das quatro províncias — Balochistão, Khyber Pakhtunkhwa, Punjab e Sindh.
Durante mais de três décadas, o país foi governado pelos militares, mas nos últimos 16 anos, pelo menos oficialmente, o Governo tem estado nas mãos de civis, naquele que é o período ininterrupto mais longo de liderança civil. Cada ato eleitoral é, por essa razão, uma oportunidade de consolidação da democracia. Esta quinta-feira, alguns episódios expuseram um país no fio da navalha.
O político mais popular está preso
Imran Khan, de 71 anos, é uma antiga estrela do críquete — capitão da seleção paquistanesa na única vez que venceu o Mundial, em 1992 — que manteve intacta toda a sua popularidade quando decidiu entrar na política.
Foi afastado do poder em abril de 2022, no âmbito de uma moção de censura, e tem vindo a ser condenado em sucessivos processos na justiça. A última sentença foi-lhe atribuída no sábado passado: um tribunal civil considerou que o seu casamento com Bushra Bibi, celebrado em 2018, violava a lei islâmica e condenou ambos a sete anos de prisão.
Dias antes, Khan fora condenado a 10 anos, considerado culpado num caso de divulgação de segredos de Estado. Já em meados de 2023, tinha sido condenado a três anos de prisão por corrupção.
Detido na Prisão Adiala, em Rawalpindi, o líder do partido Pakistan Tehreek-e-Insaf (PTI), fundado em 1996 com o propósito de acabar com a corrupção no pais, votou por via postal.
Uma campanha de repressão visando apoiantes do PTI, nos dias que antecederam o escrutínio, avolumaram preocupações acerca do caráter livre e justo das eleições. Nos boletins de voto, onde os partidos são identificados por símbolos, o taco de críquete que identifica o PTI foi proibido.
Blackout nas comunicações
Durante o período de votação, as comunicações móveis e os serviços de dados estiveram suspensos em todo o país.
O blackout teve impacto na dinâmica eleitoral, já que eleitores perderam formas de se coordenarem na ida às urnas, candidatos ficaram sem canais de comunicação com os seus representantes nas assembleias de voto, informações importantes emitidas divulgadas por SMS pela Comissão Eleitoral deixaram de estar acessíveis.
Na página da Comissão Eleitoral, a instituição disponibilizou um endereço de e-mail para os eleitores — privados de acesso à Internet — apresentarem queixas e denunciarem situações irregulares.
Estes constrangimentos levaram o PTI, de Imran Khan, a sugerir um truque: “Paquistaneses, o regime ilegítimo e fascista bloqueou os serviços de telemóvel em todo o Paquistão no dia das eleições. Vocês estão todos convidados a combater este ato covarde, removendo as passwords das vossas contas pessoais de WiFi, para que qualquer pessoa nas proximidades possa ter acesso à Internet neste dia extremamente importante”.
Violência é arma de combate político
Por todo o Paquistão, a Comissão Eleitoral estabeleceu 90.777 assembleias de voto, considerando 29.985 “sensíveis”, no que respeita às condições de segurança, e 16.766 “altamente sensíveis”, noticiou o jornal digital “Pakistan Observer”. Cerca de 44 mil foram consideradas “normais”.
Para garantir um ato eleitoral seguro, o Governo mobilizou para o efeito cerca de 650 mil agentes das forças de segurança. Ainda assim, pelo menos nove pessoas, incluindo duas crianças e seis agentes, foram mortas na sequência de ataques com granadas, explosões de bombas e tiroteios, em várias regiões do país.
Já a véspera da jornada eleitoral foi sangrenta com pelo menos 28 mortos contabilizados em dois ataques à bomba junto a sedes de candidatura, na província do Balochistão. Estes atentados foram reivindicados pelo autodenominado “Estado Islâmico” (Daesh).
Duas das quatro fronteiras encerradas
Outra medida temporária, à semelhança da suspensão das comunicações, foi o encerramento das fronteiras com o Irão e o Afeganistão. O Paquistão tem fronteira também com a Índia e a China.
O Ministério do Interior justificou as restrições adotadas no dia das eleições dizendo: “Como resultado dos recentes incidentes de terrorismo no país, nos quais vidas preciosas foram perdidas, as medidas de segurança são essenciais para a manutenção da lei e da ordem e para lidar com possíveis ameaças”.
As fronteiras foram encerradas à circulação automóvel e também pedestre. Em comunicado, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou que a normalidade nas fronteiras será retomada na sexta-feira.
Votar ainda está vedado a muitas mulheres
Entre os mais de 128 milhões de eleitores, 59 milhões são mulheres, quase metade portanto. No entanto, no universo de 5121 candidatos aos 265 assentos na Assembleia Nacional, há apenas 312 do sexo feminino. Para além dos 4807 homens, há ainda dois candidatos transgénero.
No país que se notabilizou por ter eleito, pela primeira vez em todo o mundo, a primeira mulher muçulmana para a sua liderança — a primeira-ministra Benazir Bhutto, em 1988 —, as paquistanesas continuam a esbarrar com conservadorismo social e costumes tribais.
Reportagens como esta da agência France Presse, realizada em Dhurnal, na província do Punjab, revelam que, na hora de votar, muitas mulheres são impedidas de o fazer pelos homens da família, sejam o marido, o pai, um irmão ou um filho.
“A mulher não tem autonomia para tomar decisões de forma independente”, diz uma viúva de 60 anos, mãe de sete raparigas, seis delas com formação universitária. “Falta aos homens a coragem para garantir às mulheres os seus direitos.”
Dinastia política continua a fazer escola
Um dos principais partidos a ir a votos é o Partido Popular do Paquistão (PPP), fundado em 1967 por Zulfikar Ali Bhutto, que viria a ser primeiro-ministro e Presidente do Paquistão e seria condenado à morte por enforcamento na sequência de um golpe militar.
Zulfikar era o pai de Benazir Bhutto, que foi primeira-ministra entre 1988 e 1990 e ainda entre 1993 e 1996. Benazir foi assassinada a 27 de dezembro de 2007, num ataque suicida realizado durante um comício eleitoral em Rawalpindi. À semelhança do pai, também Benazir liderou o PPP.
Atualmente, quem dirige esse partido político é Bilawal Bhutto-Zardawi, filho de Benazir e neto de Zulfikar. O seu pai, Asif Ali Zardari, foi também Presidente do Paquistão, entre 2008 e 2013.
Nascido em 1988, Bilawal desenvolveu uma campanha com ênfase nas alterações climáticas e na igualdade de género na economia. Apesar de ter uma irmã mais nova — Aseefa Bhutto-Zardari, que também já debutou na política —, é ele o descendente desta importante dinastia política paquistanesa, muito atingida pela violência política.