As Forças Armadas da Venezuela confirmaram a "lealdade absoluta" ao Presidente Nicolás Maduro, após a última instância judicial validar os resultados das presidenciais, rejeitados pela oposição e parte da comunidade internacional.
"Ratificamos a lealdade absoluta ao cidadão Nicolás Maduro Moros, Presidente constitucional da República Bolivariana da Venezuela, nosso Comandante em Chefe, reeleito pelo Poder Popular, legitimamente proclamado pelo Poder Eleitoral e agora ratificado pelo mais alto tribunal de justiça do país, para o próximo mandato presidencial", lê-se num comunicado assinado pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino.
O exército, "sempre fiel à constituição e à lei", indicou que "cumpre absoluta e categoricamente a sentença" emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, na sigla em espanhol), "validando os resultados anteriormente emitidos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE)".
"Mais uma vez, o Estado venezuelano, através das suas instituições legítimas, garante o respeito pela vontade política do soberano, a preservação da paz e a estabilidade da nação", lê-se na nota.
No comunicado, Padrino lamenta ainda que "grupos fascistas de extrema-direita" tenham tentado alterar a situação.
Estes "tentaram levar a cabo um golpe de Estado", recorrendo "à violência e ao confronto entre venezuelanos, bem como a atos terroristas, de vandalismo e cibernéticos, devidamente controlados pelos esforços da união cívico-militar-policial, mas que infelizmente deixaram um saldo desastroso de vários mortos e feridos, bem como danos materiais consideráveis", referiu.
Oposição afirma que validação de vitória de Maduro acentuará perseguição política
Vários partidos da oposição advertiram que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de validar, na quinta-feira, os resultados das presidenciais que ditaram a reeleição de Nicolás Maduro vai acentuar a perseguição política no país.
"Além de pretender ratificar a dantesca fraude eleitoral, o STJ continua a funcionar como um braço opressivo do regime e patrocina a perseguição política contra as forças democráticas", adverte o partido Encuentro Ciudadano (EC) na rede social X, antigo Twitter.
O EC sublinha que a decisão do STJ deixa claro que a intenção é aumentar a perseguição contra Edmundo González Urrutia, principal candidato da oposição, e outros líderes da Plataforma de Unidade Democrática (PUD).
Por outro lado, o partido Voluntad Popular (VP), também na oposição, usou a X para alertar a comunidade internacional que a decisão do tribunal "eleva a repressão e a perseguição contra dirigentes das forças democráticas", incluindo Edmundo González Urrutia, a quem chama de presidente eleito.
"Não usurparão a verdade (...) o STJ não é uma instituição independente nem imparcial. É por isso que a decisão de dar o aval aos resultados falsos do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não surpreende ninguém. No entanto, partilhamos a indignação de milhões de venezuelanos que elegeram uma mudança no passado dia 28 de julho", explica.
O VP lamenta que os magistrados se tenham juntado "à mega fraude" eleitoral, deixando em evidência que não têm provas dos resultados oficiais anunciados, e que tenham pedido ao CNE para divulgar os números totais e não por assembleia de voto, "porque sabem que isso demonstraria a verdade".
"Nenhum documento 'chimbo' [referindo-se a uma decisão incorreta] de um órgão [STJ] sem competência pode negar a realidade: Edmundo González é o presidente eleito da Venezuela", sublinha.
Por outro lado, de acordo com o partido Primero Justicia, a decisão do STJ e "a perseguição contra Edmundo González Urritia e a líder María Corina Machado mostram o medo que o regime tem da expressão popular exercida nas eleições, e recorda que mais de 2.000 pessoas se encontram detidas arbitrariamente no país.
"Denunciamos perante a comunidade internacional a grave violação da Constituição Nacional, especialmente o artigo 5.º que determina que a soberania reside de maneira intransferível no povo", escreve.
A Câmara Eleitoral do STJ certificou na quinta-feira "sem objeções" os resultados do CNE, considerando Nicolás Maduro Presidente eleito da Venezuela para o período 2025-2031, apesar das acusações de fraude feitas pela oposição, que exigiu a divulgação das atas.
A decisão foi tomada em resposta a um pedido de Maduro para rever os totais de votos, depois de a oposição ter publicado registos de votação 'online' de 80% das mesas de voto, mostrando que Urrutia ganhou com mais do dobro dos votos do atual chefe de Estado.
A oposição venezuelana e diversos países da comunidade internacional denunciaram uma fraude eleitoral e exigiram que sejam apresentadas as atas de votação para uma verificação independente, o que o CNE diz ser inviável devido a um ciberataque de que alegadamente foi alvo.
Os resultados eleitorais têm sido contestados nas ruas, com manifestações reprimidas pelas forças de segurança, com o registo de mais de 2.200 detenções, 25 mortos e 192 feridos.
Jornalistas trabalham com medo, sem se identificarem e praticam autocensura
Uma investigação de um jornal na Venezuela concluiu que o jornalismo no país atingiu um ponto crítico, após as presidenciais de julho, com profissionais a praticarem autocensura e a não assinarem trabalhos por medo de represálias.
"Em vários estados do país, os jornalistas foram obrigados a abandonar não só os seus empregos, mas também as suas rotinas, as suas famílias e as suas casas, a fim de se protegerem das ameaças de funcionários públicos que procuram silenciá-los", explica uma investigação do portal Efecto Cocuyo (EC).
O estado de Trujillo, de acordo com o EC, tornou-se num exemplo emblemático da crise, já que nas últimas semanas, jornalistas locais tiveram de fugir desta região, temendo pela segurança e pelas suas vidas.
"Um dos casos mais representativos é o operador de imagem Paul León, que foi detido a 30 de julho, quando se preparava para filmar um protesto (...) As autoridades encontraram o cartão de identidade da jornalista que trabalha com ele na VPI TV, o que a obrigou a esconder-se para evitar represálias. Desde então, deixou de trabalhar por temer pela sua segurança, juntando-se à lista crescente de profissionais que tiveram de abandonar o seu trabalho", explica.
Por outro lado, a jornalista Yuliana Palmar viveu em primeira mão, em Trujillo, a violência sobre quem tenta informar, durante uma manifestação, em que a rápida intervenção dos manifestantes impediu que fosse detida pelas autoridades.
No entanto, "isso não a impediu de ser agredida fisicamente, tiraram-lhe o telefone e recebeu ameaças que a levaram a abandonar Trujillo, refugiando-se noutro lugar", explica o EC.
Em algumas regiões do país, rádios suspenderam as emissões de vários programas, durante uma semana, após as eleições, regressando depois com um perfil significativamente mais reservado.
Ainda segundo o EC, apagar entrevistas e opiniões críticas foi uma das medidas adotadas pelas rádios para evitar confrontos com o Governo, tendo muitas optado por aumentar a programação de entretenimento.
Esta autocensura, explica o portal, afeta também as redes sociais, em estados como Amazonas, Carabobo, Lara, Barinas, Portuguesa e Anzoátegui, onde a imprensa reduziu drasticamente o número de publicações, especialmente de assuntos relacionados com a oposição.
"Os jornalistas tomaram medidas extremas para se protegerem: não assinam os artigos, evitam aparecer à frente das câmaras e, em muitos casos, optam por enviar reportagens genéricas para não se exporem a represálias", sublinha.
Além do medo, os jornalistas sentem crescente incerteza profissional, alguns deles por se recusarem a gravar a própria voz e a fazer trabalhos especiais. Alguns optaram por ceder as reportagens a colegas radicados no estrangeiro.
Entre 29 de julho e 4 de agosto, o Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS) registou 79 violações da liberdade de imprensa no país, que correspondem a 62 casos relacionados com a cobertura de protestos da população.
Estas violações incluem agressões físicas ou verbais, discursos estigmatizantes, detenções, censura, bloqueios na Internet e administrativos, assédio judicial e restrições no acesso à informação.
Segundo o Colégio Nacional de Jornalistas da Venezuela, a entidade que atribui a carteira profissional, pelo menos oito jornalistas foram detidos desde as eleições presidenciais.