Não foi por acaso. António Costa e Luís Montenegro cruzaram-se num hotel de Bruxelas, perto das instituições europeias, para um café rápido entre dois primeiros-ministros de Portugal: um a despedir-se e o outro indigitado, a apresentar-se. Falaram por telefone, combinaram o encontro e avisaram a imprensa. Para as câmaras houve sorrisos e apertos de mão a plasmar a imagem de uma passagem de pasta sem sobressaltos.
"Estivemos a trocar algumas impressões sobre aspetos relacionados com política europeia e a combinar a forma como procederemos à transição", explicou Luís Montenegro aos jornalistas. Já António Costa desejou-lhe "pessoalmente", "os maiores sucessos" e "as maiores felicidades", argumentando que "é isso que é bom para Portugal".
O encontro não foi por acaso, embora até pudesse ter sido. Costa fica sempre naquele hotel quando está em Bruxelas, Montenegro às vezes também, e foi lá que esta quinta-feira decorreu a reunião do Partido Popular Europeu (PPE), em que o social-democrata é agora mais do que um líder da oposição. Mas desta vez não se cruzaram por acaso no lobby do hotel, como já aconteceu no passado. Há uma imagem que querem passar para dentro, mas também para fora, para as instituições europeias e investidores.
"Não há nenhuma razão para antecipar qualquer risco", diz António Costa sobre a gestão política do próximo Governo, sobretudo para afastar possíveis nuvens de incerteza que pairem sobre o governo, por ser um executivo sem maioria parlamentar. Mas se Costa tinha essa mensagem de estabilidade o tom de aviso foi em crescendo, ao dizer que não haverá risco "desde que obviamente, as coisas sejam bem geridas". Um recado sobre a política de contas certas que quer que seja uma herança seguida pelo próximo ministro das Finanças.
À entrada do último Conselho Europeu em que participa como chefe de Governo, Costa recordou 2015, quando se tornou primeiro-ministro sem ter ganho as eleições, mas estreando uma ‘geringonça’ assente numa maioria de esquerda. Lembra as desconfianças que sentiu: "Porque aqui também alguns achavam que o diabo podia vir, virando a página da austeridade". Oito anos e 74 cimeiras depois, sai com um vídeo de despedida e de agradecimento pelo “bom humor, paciência e capacidade de resolver problemas”.
E sai também convencido de que “ninguém tem dúvidas que apesar das várias formações” dos seus Governos, foram "sempre parceiros leais e ativos, quer na NATO, quer na União Europeia". E acrescenta que essa "boa imagem" de Portugal não deverá mudar com um Governo do PSD. "Eu sou um otimista", remata.
Já esta quarta-feira, tinha passado a mesma mensagem de que não vem lá o diabo com o governo minoritário da AD - capaz de tranquilizar mercados e instituições - nas várias reuniões de despedida que teve com comissários e com as presidente da Comissão e do Parlamento Europeu. "As instituições europeias têm boas razões para estarem totalmente tranquilas. Quanto à mudança do Governo, não haverá mudança da política europeia", garantiu.
O país vai virar à direita, mas na política externa, Costa acredita que fica na mesma. "A primeira explicação fundamental é que os dois principais partidos que têm sido a base de Portugal ao projeto europeu continuam a ser largamente maioritários. E o Chega nunca fez uma campanha contra a União Europeia", disse.
Um dia depois de Costa se despedir de Ursula Von der Leyen, foi a vez de Montenegro ir ao gabinete da chefe do executivo comunitário ouvir as boas-vindas e dar-lhe também ele conta do compromisso de Portugal com a União Europeia. São, aliás, da mesma família política de centro-direita - o PPE. E se no dia anterior, a alemã nada publicou do encontro com Costa nas redes sociais, esta quinta-feira foi ao "X" publicar uma foto com o primeiro-ministro indigitado. Ao lado uma mensagem de "parabéns" pela nomeação: "Vivemos um momento crucial na Europa. Estou ansiosa por trabalhar consigo".
Cá fora, aos jornalistas, o também presidente do PSD explicou. "Não temos nenhuma dúvida sobre o papel que nos cabe desempenhar no seio da União na construção de uma Europa mais unida, mais coesa do ponto de vista social". Incondicional é também o "apoio à Ucrânia". E do ponto de vista interno, foi a Bruxelas prometer "tentar recuperar os atrasos que há na execução do PRR", aumentando a capacidade de execução. Em causa estão algumas medidas comprometidas com Bruxelas, como a reforma da Administração Pública, que ainda ficarão por fechar para que o país receba a próxima tranche.
Quantos aos riscos da instabilidade de um Governo minoritário, Montenegro foi dizer a Bruxelas que "não há nenhuma razão para colocar em causa a estabilidade do país, a estabilidade de uma solução do Governo". Um executivo que depende de quem está na oposição para aprovar Orçamentos - seja do PS ou do Chega. E foi para eles um recado repetido a 2mil km de distância sobre "o sentido de responsabilidade" que "se exige a todos os agentes políticos, incluindo aqueles que estão hoje na oposição".
Para ser indigitado de madrugada em Lisboa e estar em Bruxelas na quinta de manhã, Luís Montenegro só dormiu uma hora. Uma visita relâmpago, com significado político, no dia em que ensaiou os primeiros passos no nova cargo. Quando voltar à capital belga será já como primeiro-ministro em funções e não apenas para participar nas cimeiras do PPE como líder da oposição.
Luís Montenegro vai finalmente sentar-se na cadeira de Portugal nas cimeiras europeias entre o chanceler alemão e o primeiro-ministro esloveno. Será também ele a escolher o próximo presidente do Conselho Europeu, lá para o início do verão e depois das eleições europeias. Estará disponível para apoiar Costa se o socialista vier a ser uma opção para o cargo? Montenegro empurra a resposta para mais tarde. A distribuição dos cargos de topo é uma incógnita e está na fase da pura especulação. E ainda que António Costa seja um nome falado, é claro que para lá chegar depende de se ver livre de todas as suspeitas e investigações.